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A Agricultura XII – O mata-porco

Algumas culturas têm o costume de agradecer, verbalizando, o sacrifício dos animais que consomem. Não é o nosso caso, mas não deixa de o ser: a forma como os animais eram tratados, os cuidados alimentares e de conforto nas suas lojas (com palha no chão, para o manter seco) associado ao aproveitamento escrupuloso de todas as peças, com a produção dos produtos derivados, mostra haver uma cultura de respeito para com estes animais.
No entanto o seu abate é uma etapa difícil, mas necessária. O mata porco era uma fase do ano marcante, com muito trabalho. Marcava-se um dia, quando já fazia frio, e diversos vizinhos e ou familiares juntavam-se para o trabalho. O matador era sempre alguém muito experimentado.
De manhã muito cedo colocava-se a mesa de matança bem especada. Às vezes era difícil de o trazer, quando via tanta gente. Guinchava que se fartava e acordava os mais retardatários. Ouvia-se pela aldeia toda. Era levantado em peso e colocado na mesa, bem seguro. O animal era sacrificado muito rapidamente e aproveitava-se todo o sangue, que era imediatamente batido para evitar a coagulação. Mais tarde era cozido, para consumir ainda no dia da matança - as sopas de sarrabulho. Da ceifa tinham sido guardados feixes de palha, de preferência de centeio, por ser mais alta, para o chamusco, retirando depois os restos das cerdas, raspando com facas bem afiadas toda a superfície.
O chão ficava todo enfarruscado da palha ardida, o cheiro enjoativo das cerdas marcava o nariz e a geada, que havia de cedinho, ficava toda pisada. A fase seguinte era a evisceração, retirando todos órgãos internos que eram geralmente consumidos no dia da matança e seguintes, por serem de conservação mais difícil. O sangue continuava a ser batido.
Recordo a carcaça, aquecida pelo lume, deitada no estrado de madeira, a fumegar do aquecimento sofrido no chamusco e do calor interior, depois da evisceração. Era o momento de descansar uns momentos, pois a actividade era extenuante. Eram animais com até 180 quilos de peso que tinham de ser levados em braços. A carcaça era depois levada e pendurada numa loja limpa e fresca durante dois a três dias, para “escorrer”.
Ainda nessa manhã, as tripas eram tratadas. Só o ribeiro permitia esta operação e a água gelada não convidava nada a molhar as mãos, mas o serviço urgia a ser feito. No local das lavadeiras, onde as mulheres se podiam debruçar sobre a água, de joelhos, as tripas eram separadas, esvaziadas, viradas, raspadas e bem limpas, retirando mesmo a camada interior.
Entretanto, na loja, a corda era passada pela bacia do porco, com um nó que nunca entendi. A outra ponta passada por cima da trave onde já mil porcos haviam sido pendurados. Dois ou três homens puxavam a corda até a suspensão estar completa e a ponta solta, presa num apoio. Era a hora de descansar um pouco e tratar de alguma coisa que houvesse a tratar nas suas casas. Voltavam mais tarde pela hora do almoço pois, no dia da matança, era reforçado e todos estavam convidados.
O trabalho de vizinhos e parentes era mais tarde pago em espécie, prestando serviço no mata porco respectivo.

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