A opinião de ...

Viver e morrer sozinho

A PSP, através de informação à imprensa do dia 6 de Abril, deu conhecimento que, nos últimos 3 anos, tinha participado a morte de 757 idosos, sozinhos em casa, sendo 60% (455) mulheres e 40% (302) homens. As situações ocorreram um pouco por todo o país, obviamente nas áreas policiadas por esta polícia, e chegaram ao seu conhecimento através de vizinhos, familiares ou amigos. Nas áreas cujo policiamento é da responsabilidade da GNR a situação deverá ser semelhante.
Esta informação, divulgada pela agência Lusa, teve elevado impacto em toda a imprensa e também na generalidade das pessoas. Muitos comentadores e articulistas destacaram a gravidade do problema e a necessidade urgente de implementar medidas para combater o isolamento das pessoas com idades avançadas e ou em situações de maior fragilidade física, económica e social. Houve manifestações de tristeza, de preocupação e mesmo de indignação.
Para os polícias, a morte de idosos isolados é uma ocorrência natural e frequente. É um tema de formação inicial obrigatório relativamente a todos os procedimentos legais e burocráticos necessários e sistematicamente sujeito na atualização na formação contínua. Desde a abertura da porta ao ter conhecimento da notícia para confirmação (ou não), guarda e preservação do local até autorização para remoção do cadáver para o Instituto de Medicina Legal, vulgo morgue, elaboração de relação de bens, a sua guarda, às vezes mesmo a casa, até entrega a pessoa responsável e da confiança do falecido ía um conjunto da ações legais e operacionais que, com o tempo se tornavam quase rotina. Porém, cada caso é um caso e há sempre cuidados específicos.
Ao ouvir comentar a situação, veio-me à ideia o direito de cada pessoa a tomar a decisão de viver e envelhecer sozinho. Se esta for uma opção de vida, consciente, ponderada e assumida, deve merecer a concordância familiar e social e ser respeitada. Há pessoas que, aceitando e compreendendo as condições em que se encontram, preferem viver os anos que lhe restam com a sua tranquilidade, sem ficar dependentes de familiares ou instituições, cultivando uma rotina que valoriza a liberdade individual e a própria autonomia. Enquanto esta decisão é consciente e saudável merece compreensão e respeito. Fica mais complexa quando se verificar a influência de outros fatores como falta de cuidados de saúde, física e mental, isolamento por motivos económicos ou mesmo por imperativos familiares ou outras condicionantes associadas como a falta de relação social.
Pelos dados disponibilizados não é possível saber se estas pessoas estavam, de facto, exclusivamente sob a sua responsabilidade. A Segurança Social, após sinalização por qualquer meio, tem a obrigação de directamente ou através das diversas instituições existentes na sociedade civil, patrocinar vários tipos de apoio possíveis e necessários. Equipas multidisciplinares em diálogo com os próprios, com a família, promovem os apoios indispensáveis para a vida digna. São exemplos os serviços de higiene pessoal e da habitação, o fornecimento e apoio na alimentação, a ajuda para atendimento em serviços de saúde e outros serviços públicos, actividades de animação e ocupação do tempo, etc.
Uma sociedade que se considera moderna e solidária tem garantir que ninguém envelheça e termine a sua vida completamente esquecido e abandonado. Isso exige de todos nós ações concretas e um envolvimento ativo como cidadãos conscientes.

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4033

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