A opinião de ...

Os Chico – Espertos e a Teoria da Cabala

No concelho de que sou orgulhosamente natural, Vimioso, quando alguém é instado a pronunciar-se sobre uma outra pessoa moralmente pouco recomendável, costuma usar-se, eufemísticamente, como forma de se evitar a utilização de certos adjectivos que melhor qualificam a personalidade do visado, a sentenciosa e lapidar expressão: “ Esse é o tal para deixar um cão sem ceia”.
Porque não é meu hábito (nem me ficaria bem), neste espaço público, fazer referência a pessoas concretas, mesmo quando elas, por natureza, são capazes de privar um canídeo da última refeição do dia, fico-me pelo comentário genérico sobre o tema da chico- espertice, embora ele possa sugerir, nas entrelinhas, a referência a esta ou aquela figura, o que será sempre uma colagem não editada, uma mera coincidência.
Mercê de uma sociedade cada vez mais superficial e sensacionalista, relativamente àquilo que a move e lhe desperta interesse, o conceito de figura pública foi completamente adulterado, ao ponto da banalização. Hoje as ditas figuras públicas, gente de reconhecido mérito, que se destacam no jornalismo, no cinema, na investigação científica, na produção literária, no desporto e nas demais áreas do conhecimento, estão longe de rivalizar em popularidade com aqueles cuja fama advém da parvoíce, da ociosidade e da escandaleira, a que os meios de comunicação social fazem questão de se associar.
À boleia da fama granjeada no pequeno ecrã e nas revistas cor-de-rosa, alguns destes famosos dão autógrafos como se fossem estrelas hollyoodescas, fazem tournées pelo país fora, são convidados, mediante generoso cachet, a servirem como trunfos nas eleições para as associações de estudantes no ensino secundário, participam em workshops, publicam livros (não os tendo escrito, obviamente, pelas razões conhecidas), etc., conseguem arranjar os contactos necessários para se lançarem em “projectos” ambiciosos que lhes garantem a realização do sonho. Uma caminhada que, embora com contornos de anormalidade e bizarria, não belisca qualquer bem jurídico a proteger.
Uma vez instalados no “mercado” e consolidada uma boa “carteira de clientes”, alguns destes heróis de pés de barro, verdadeiros charlatães encartados, convencidos de que ostentam um umbigo que não lhes cabe no corpo, julgam-se intocáveis, abrangidos por qualquer tipo de imunidade. Gabam-se, à boca cheia, que conhecem gente nos ministérios em Lisboa, de quem têm (dizem) o contacto pessoal, capaz de caucionar as maroscas praticadas a coberto da fama. Quando, no próprio “bairro”, são abordados pelas autoridades e, perante a factualidade de certas prevaricações detectadas, dizem-se perseguidas, sentem-se vítimas, evocam o já gasto expediente da cabala, como se o mundo estivesse todo contra eles.
Por muito aparatosa e espectacular que seja a queda do indivíduo, este jamais se conseguirá levantar, se o movimento ascendente não for suportado por uma grande e recomendável dose de humildade. Um procedimento que, só por si, permite ao acidentado recuperar, porque o tempo, mesmo não curando tudo, tem a particularidade de sarar algumas feridas que julgávamos insaráveis.
Outro entendimento que não este levar-me-á a recorrer ao ditado popular que me parece adequado ao contexto: “pela boca morre o peixe”. Porque há momentos na vida em que permanecermos calados, ainda que julguemos ter razão, é não uma atitude hipócrita, como reza uma certa “doutrina”, mas sinónimo de inteligência social.

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