A opinião de ...

Dia da Memória

Já escrevi várias vezes o quão importante é perpetuarmos a memória de tudo quanto nos marcou, para o bem, para o mal, a todos os níveis, a todo o tempo, radiantes, temerosos, em momento de transe, em instantes relampejantes de felicidade. Por assim ser, e é, vários países incorporaram nos seus calendários de feriados nacionais o Dia da Memória. Memorial Day.
Ora, no meu restrito calendário de dias jubilosos avulta o dia 1º de Dezembro, dia marcante na época da meninice/adolescência na cidade onde nascia – Bragança do Braganção medieval cognominado O Bravo – que nos dias de agora entrou na obscuridade para ali remetido porque bravura imemorial afasta os e as amantes da preguiça mental de não recuperar o passado tal como os arqueólogos procedem nas suas investigações terrestres e aquáticas. Ora, o 1º de Dezembro de uma imensa maioria de todos quantos viveram na cidade Coimbra em miniatura – lembram-se do simbólico contido nesse título de um livro evocativo das andanças e folganças de um bragançano estudante do famoso Palito Métrico. Ora, um exemplar vive na minha biblioteca, o seu conteúdo regista os postulados da famigerada praxe encharcada em estupidez, foi praticada com bom senso e bom gosto na Bragança de então, liberta das insolentes e abstrusas praxes que vou vendo, observando e ouvindo quando vou a Lisboa. Por sorte, descuido ou desatenção nunca fui alvo de praxes, talvez por recém-chegado da guerra colonial e lépido no andar.
O 1º de Dezembro no burgo brigantino era a prova/provada da Miniatura aventada por Santa Rita Xisto. Estudantes trajados com capa e batina, praxe minimalista, sarau teatral, homenagem/ romagem a Mestre Paulo Quintela e ao respeitado Reitor Amado, funçanatas etílicas recheadas de aves de capoeira subtraídas à sorrelfa das capoeiras onde os glu-glus e galináceos viviam sem distinções de classe nas escolhas, descantes noite fora, nem João Penha ousaria colocar em dúvida o acerto do título da hoje obscura obra do poeta comilão.
O Armindo Neto, rapaz do meu tempo, nascido na aldeia berço natal dos famosos esquecidos Padre Alípio Freitas e Alfredo Margarido, telefona-me de vez em quando. O Armindo retouçou vários anos na cidade na qual nasci, namorou quanto eu, veio a tropa, deixou a farda obrigatória, vive em Vizela. Os seus telefonemas para lá de agradáveis saltitam de tema em tema, de pessoa em pessoa, redundam em forte e fugaz alegria, deixam um travo de saudade, mormente quando a data que guindou a Duquesa a Rainha, é o ponto focal da falação. Ele cultiva a saudade à maneira de Teixeira de Pascoaes. O poeta alude a um bragançano perito em pantagruélicas refeições e reprovações, ao contrário o autor de obra de tomo preferia ser frugal e pensador do saudosismo.
Desconheço se a pandemia quebrou o costume da celebração do dia em causa, que nunca me atraiu evocar em rebanho, no entanto, entendo perfeitamente o júbilo causado ante os reencontros apesar de virem ao de cima dolorosas recordações de quem vê à sua frente o descalabro físico de quem é responsável por enorme desilusão porque se iludiu cegamente. Mas para tal aferição do desgosto é melhor ler a magistral obra do russo Tolstoi, Anna Karenina.
Se por ventura a data deu azo a ridente lembrança da data todos ficámos a ganhar, caso tenha sido objecto de distracção deixo este singelo escrito de rememoração.

Ps. Um grande abraço para o Armindo e para o Helder Barreira.

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3862

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