A opinião de ...

O Ano intranquilo

De que falam os políticos, eles praticantes exímios do muito falar sem dizerem nada, sobre o futuro da Europa, do nosso futuro? É esse o objectivo deste artigo, que não poderá deixar de se orientar por um ponto de vista, o de Portugal.
Descansem os leitores não vou usar muletas de nenhuma espécie, referir siglas, socorrer-me de frases, palavras, vírgulas e pontos de outrem. Apenas palavras esticadas e curtidas no meu modesto e repleto de abrolhos quintal literário.
Os fumos do Novo Mundo levaram Cabrera Infante a escrever sumarento livro, David Mourão-Ferreira lançava baforadas de perfumado fumo proveniente dos seus cachimbos (de tantas em tantas fornadas deve-se mudar de instrumento), nós fumámos tudo quanto podíamos ao longo dos séculos, daí a alusão aos fumos da Índia.
Sem tirar nada, a acrescentar o nefando comércio de escravos, o ouro do Brasil, as matérias-primas das antigas colónias, as remessas dos migrantes. Tudo fumado.
Sobraram dentaduras enegrecidas, dedos amarelos, rouquidões, tosse, muita tosse, e chagas de expectoração nas ruas (durante o Estado Novo as repartições públicas dispunham de escarradores, um aviso colocado na parede avisava de sanções aos cuspidores no chão). Na altura o uso de isqueiros obrigava a tirar licença, os fósforos MIUDOS significavam – muitos irmãos unidos, doutor Oliveira Salazar – ou não fossemos nós graciosos tunantes. Eis Portugal no esplendor do século passado.
Os menos desafortunados encontravam arrumo nas forças de segurança, as raparigas desciam das aldeias a fim de serem copeiras e criadas de servir em condições deploráveis. Leiam-se testemunhos, entre os quais os do distinto sacerdote Abel Varzim.
A guerra colonial durava, a eclosão do 25 de Abril revirou Portugal de avesso, a geopolítica empurrou-nos, fixou-nos; atarantados, poisamos na Europa. A Nação multirracial e multicontinental do Minho a Timor, territorialmente regressou ao tempo de D. João I, passámos a esforçados e animosos bons alunos da Comunidade Europeia. Lindos meninos fomos, merecermos caramelos pegajosos e, dinheiro destinado entre outras coisas, a fumos.
Todos sabemos qual foi o resultado da ilusão – gasto agora, pagarei quando puder –, os dissipadores regressaram à carência anterior, só que os seus ombros carregam uma saquita contendo várias ramagens de dívidas.
Os últimos anos têm sido amargos, inçados de escândalos, bernardas financeiras, as consequências representam-se numa salada de impostos, taxas, alcavalas, desemprego e emigração. Os indicadores de qualidade de vida não deixam margem para dúvidas, as votações no urso russo, marradas do bisonte americano, picadas dos numerosos mosquitos asiáticos. E nós? 

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