A opinião de ...

Um barco a adornar

Estamos a menos de dois meses das eleições Legislativas, umas das mais importantes do país, pois o Governo que daí sair vai ser o responsável pela gestão de fundos e políticas fundamentais para que Portugal se possa reinventar e sair de uma crise que ameaça ser paralisante e nos deixar (ainda mais) na cauda do pelotão da Europa.
Por isso, é fundamental que, de facto, se discutam as políticas que cada um quer implementar e defende para o país e menos o foguetório diário das novelas e casos políticos.
Com a pandemia, o Governo tornou-se “no mais centralista de sempre”, admitiu esta semana, em Lamego, a Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.
Antes disso, no fim de semana, o presidente da Câmara de Bragança voltou a apontar baterias ao centralismo enraizado.
"Enquanto quem decide continuar a assumir que o que se passa em Lisboa é nacional, o que se passa no Porto é regional e o que se passa em Bragança não interessa para nada, nunca mais sairemos desta situação de desigualdade". A frase de Hernâni Dias silenciou o Parque de Feiras e Exposições de Aveiro, alertando para a realidade que é a despovoação cada vez mais acentuada dos territórios do Interior, refletida nos últimos Censos do Instituto Nacional de Estatística, lia-se no texto do Jornal de Notícias.
No debate sobre modelos de desenvolvimento e coesão, Hernâni Dias considerou "urgente" o "repovoamento dos territórios fronteiriços e do Interior através da adoção de um conjunto de medidas que podem passar pelos benefícios fiscais em sede de IRS, IRC e IMI, entre outros", lê-se ainda.
O autarca de Bragança pediu uma "política concertada de atração de imigrantes e emigrantes", para além de uma "política nacional de instalação de empresas nos territórios do Interior", a "instalação de mais serviços descentralizados, a cobertura digital 5G nos territórios rurais e a diminuição dos custos energéticos para empresas e cidadãos do Interior". Para isso, acrescentou, "é necessário que o Plano de Recuperação e Resiliência seja discutido de forma séria com os municípios", frisou o autarca.
A verdade é que, da maneira que o país está distribuído neste momento, mais parece um barco prestes a adornar para o mar.
De acordo com os Censos de 2021, entre os 308 municípios portugueses, 257 registaram decréscimos populacionais e apenas 51 registaram um aumento — uma diferença significativa relativamente ao observado em 2011, quando as quebras populacionais se verificaram em apenas 198 municípios.
Agora, cerca de 50 por cento da população concentra-se em apenas 31 concelhos, um décimo dos que existem em Portugal, e quase todos ficam nas regiões de Lisboa e Porto.
Se isto fosse um salva-vidas, a tragédia estaria instalada pois a mínima vaga fazia virar o barco.
Está na hora de falar a sério de regionalização, que poderá ser uma tábua salva-vidas para as regiões do Interior. Poderá, se, de facto, o assunto for discutido sem parecer uma discussão futebolística, em que ganha quem grita mais alto.
Criar regiões horizontais, que juntem no mesmo saco Porto e Bragança, é fazer pouco das populações do Interior e mudar um bocadinho a centralidade de Lisboa para o Porto. É baralhar, dar de novo e ficar tudo na mesma.
Até lá, é preciso um Governo com coragem para verdadeiramente desconcentrar, tirar serviços e organismos de Lisboa e passá-los para o Interior do País, pois há muitos que, pela sua natureza, tanto podem ser realizados em Lisboa como em Bragança, Guarda ou Portalegre (o sistema de conferência de faturas, por exemplo).
Isso sim seria ser corajoso e tomar medidas que, de facto, mudavam a capacidade dos concelhos afastados da costa pois significava mudança de matéria crítica e classe média, com capacidade de investimento.
Se não, mais vale deitar a mão aos violinos e fazer como a banda do Titanic, tocar alegremente enquanto nos afundamos.

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