A opinião de ...

Carta aos islamistas

Caros muçulmanos, crentes em Alá e no Profeta Maomé, seu revelador.
Alguns líderes de opinião e alguns movimentos ditos islâmicos querem restaurar a guerra que durante séculos (Séculos VI a XIX), a civilização cristã e a civilização islâmica travaram em nome do Deus Cristão e do Deus Islamista, Alá. Também entre os cristãos houve, durante mais de um Século (1550-1688), guerras sangrentas porque Cristãos Católicos e Cristãos Evangélicos se julgavam possuidores da verdade absoluta e com ela queriam construir o respectivo modelo de sociedade.
A guerra entre cristãos começou a ser resolvida com a Paz de Westefália (1648), a qual terminou com a Guerra dos Trinta anos, que tanto sangue fez derramar na Europa. Por este tratado, acordou-se em separar a Religião e o Estado e em afastar os líderes religiosos das questões da governação administrativa e política da Sociedade e do Estado. Na Grã-Bretanha, este tratado seria reconhecido em 1688, com a restauração da democracia parlamentar, libertando aquela federação do regime absolutista dos Tudors que, desde 1650, tentou juntar governo religioso e governo civil. Deste resgate da democracia na Grã-Bretanha devemos lembrar dois livros, Tratado sobre o Governo Civil (1690) e Ensaio sobre a Tolerância (1688), e um autor, John Locke.
Estes dois livros são importantes porque constituem as bases teóricas iniciais da democracia, ainda que na forma de democracia aristocrática. A principal mensagem deles é a separação entre as Igrejas e o Estado, a identificação deste como a esfera pública, onde todos temos de viver em comum, e a identificação da religião como uma actividade possível da esfera privada, mesmo se na forma associativa. Por outro lado, viver em sociedade exige tolerância para com o diferente e a diferença, mas a tolerância para com a intolerância só pode dar origem à submissão e violência.
Felizmente, o Século XX trouxe-nos o progresso da tecnologia e da civilização e, com elas, a possibilidade de indivíduos de diferentes nacionalidades, culturas e religiões poderem viver num mesmo espaço público, cada vez mais heterogéneo do ponto de vista étnico, religioso e cultural, e usufruir os bens e os benefícios da riqueza comum construída. Mais: ao fim de poucos anos, esses indivíduos-outros que agora também ocupam o espaço público que, até ao início da segunda metade do Século XX, era essencialmente dos indivíduos autóctones de cada Estado-Nação, adquirem a cidadania plena podendo eleger e candidatar-se em eleições e ser eleitos.
Com este modelo de sociedade, pudemos ocupar o mesmo espaço público comum e viver em paz. Porém, não o poderemos continuar a fazer se alguém diz que só há uma verdade e que é ele o detentor dela, impondo-a sem regras aos outros indivíduos e aos outros cidadãos e matando quem for diferente ou não aceitar tal «verdade» que querem impor-nos.
A história ocidental demonstra a grandeza do uso da liberdade individual, salvaguardadas as regras contratualizadas para o espaço público. Gostaríamos muito que todos os muçulmanos se juntassem a nós nesta separação entre assuntos do Estado e assuntos da Religião e gozassem pacificamente os benefícios da liberdade individual e da civilização.

Edição
3507

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