Eleições locais: a natureza do voto
É comum ouvir-se dizer que o voto nas eleições autárquicas é de natureza diferente, não ideológico-partidário mas com base no perfil das pessoas das candidaturas. Não é inteiramente verdade embora este perfil tenha bastante peso.
Para a análise dos 49 anos de eleições autárquicas no Concelho de Bragança socorremo-nos dos resultados eleitorais e de um questionário anónimo, com amostra estruturada, a 200 pessoas. Da análise, verificámos que houve factores principais para o voto expresso ao longo do tempo: 1) pertença ao partido da preferência ideológico-partidária do eleitor, com 30%; 2) perfil pessoal e humano do candidato a presidente e respectiva equipa, com 30%; 3) perfil técnico e científico do candidato e respectiva equipa, 10%; 4) proximidade pessoal e afectiva do eleitor ao candidato e candidatos, 15%; 5), percepções do eleitor sobre os grupos de influência dos candidatos (amigos no Governo Central) na capacidade para resolução dos problemas locais, com 10%; e, 6, desgaste do candidato principal e respectiva equipa em mandatos anteriores, com 5%.
De acordo com estes dados, poder-se-á atribuir 55% dos factores de voto ao perfil dos candidatos mas não é totalmente verdadeira a afirmação de que o voto na eleição autárquica seja totalmente um voto de proximidade/afiliação pessoal. Se assim fosse, nunca José Luís Pinheiro teria sido eleito pelo CDS contra PSD e PS (1982 e 1985) e nunca Luís Mina teria sido eleito contra o PSD de Pinheiro/Cavaco Silva (1989) e de Carlos Cadavez/ Cavaco Silva (1993).
Existem factores, quase irracionais, como o Partido, a proximidade afectiva, o jogo de influências entre Poder Local e Central, as culturas e mundividências locais, que condicionam muito o voto. De qualquer forma, 60% desses factores são locais, o que torna cada eleição um «case-study», não apenas em relação às eleições anteriores, na mesma comunidade, freguesia ou concelho, mas também em relação às outras localidades/comunidades.
Mais curiosa ainda é a análise da permanência/fidelidade do eleitor em relação ao voto partidário como se de uma religião de baptismo se trate. As culturas políticas e religiosas regionais e locais condicionam de uma forma surpreendente essa permanência. Assim, dos 30% de eleitores permanentemente afectos ao PSD, 75% votam no candidato do PSD mesmo que este seja um boneco de peluche. Quase o mesmo acontece com os 20% de votantes permanentemente afectos ao PS, dos quais 65% votam no candidato do PS, mesmo que ele seja o tal boneco. O que significa que a cultura democrática-liberal e católica é muito mais profunda nos votantes no PSD do que nos que votam no PS.
Reparou certamente que não me referi ao CDS, que se perdeu depois de 1985, «comido» pelo PSD, e não mais recuperou. Nem me refiro ao IL e ao Chega porque ainda não «existem» autarquicamente.
Porém, os resultados desta análise não são determinísticos. Se assim fosse, o PS, em 1989 e em 1993, nunca teria ganhado. Por isso, nem Paulo Xavier nem Isabel Ferreira já ganharam ou perderam. Sigamos o jogo dos diferentes factores de voto autárquico. Vai ser interessante.