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Junqueiro e a festa da Margarida

Margarida Valle, conceituada e muito estimada bailarina portuense, depois de uma notável carreira nacional e internacional, achou por bem partilhar o seu saber, fundando, para o efeito, um Estúdio de Dança. No passado fim de semana, sábado e domingo, no auditório do Conservatório de Música do Porto, o Estúdio de Dança Margarida Valle celebrou mais um aniversário: 33 anos a formar, com invulgar sensibilidade, rigor técnico e artístico, várias gerações de bailarinos.
Numa só tarde esgotou a lotação de dois espetáculos, com cerca de duas horas de duração, subordinados ao tema “Terra”. Nesse quadro, a abrir a primeira parte, entrou Guerra Junqueiro, oportunamente enquadrado pelo diálogo das atrizes Helena Barbosa (Filha), Clotilde Valente (Avó) e Maria Valente (Neta).
A Festa da Margarida teve, pois, uma árvore – uma vaidosa cerejeira, com uma canção e quatro estações dentro. Representando as árvores de toda a Terra, veio dos “Contos para a Infância”.
Trinta e três bailarinas, com idades compreendidas entre os três e os 22 anos, coreografadas por Beatriz Simões e Joana Correia, num cenário de Rui Fonseca, criaram um memorável momento de música, dança, criatividade, cor e sorrisos, aplaudidos por mais de seiscentos espectadores.
Na história da literatura portuguesa para crianças há, como se sabe, um antes e um depois de “Contos para a Infância” (1877). Naquele livro, Guerra Junqueiro adaptou textos de muitos autores estrangeiros (foi o primeiro poeta português a publicar um conto dos famosos Irmãos Grimm). “A Canção da Cerejeira”, por exemplo, é a adaptação de um texto em verso da autoria de Johann Peter Hebel.
À Festa da Margarida juntou-se Eugénio de Andrade, outro poeta que gostava de árvores, frutos, flores, rios, “terra de sol maduro, / redonda terra de cavalos e maçãs”. No fim do seu poema há uma pergunta dirigida não apenas ao Miguel, mas a cada um de nós. Faz lembrar uma outra do Papa Francisco: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”.
Em 2023 passam 100 anos sobre a morte de Guerra Junqueiro (1850-1923) e 100 sobre o nascimento de Eugénio de Andrade (1923-2005). Junqueiro e Eugénio têm muitos jardins nas palavras. Antecipámos-lhes a sagração.
A Festa da Margarida é uma semente de futuro, é uma Árvore, é uma casa em construção, tem dentro um apelo, uma voz, a dança de muitos rostos e nomes, o amor e a beleza da Arte. A Festa da Margarida foi e é uma mesa de sentar amigos.
Crianças, pais e professores ficaram a saber que Guerra Junqueiro, poeta de Freixo de Espada à Cinta, é um autor a descobrir.
E, sim, Junqueiro tinha razão: “O homem sai da criança / como o fruto sai da flor.”.

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3893

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