A opinião de ...

Cinderella (gostar de se olhar ao espelho

Algumas décadas atrás, o tratamento ao cancro da mama implicava, invariavelmente, a sua remoção completa (mastectomia). Há vinte anos ficou provado que a ressecção local do tumor, seguida de radioterapia tinha o mesmo efeito e, em consequência, passou a ser a opção generalizada. Para muitas mulheres, a cicatriz deixada pela remoção do tecido cancerígeno é um mal menor, comparado com o risco de vida que a doença lhes trouxe e convivem bem com esta nova realidade. Outras porém nunca se resignam à deformação causada pela cirurgia, somando sofrimento ao sofrimento causado pela própria doença. Nasceu e desenvolveu-se uma nova especialidade clínica, a cirurgia oncoplástica que introduz tecido da própria doente para compensar o que foi retirado, no caso das mamas mais pequenas ou que reduz o tamanho da mama saudável, quando estas têm maior volume. Esta tecnologia veio aumentar, consideravelmente, a saúde psicológica e, em consequência, a qualidade de vida das doentes. A importância destes dois aspetos é altamente valorizada na Fundação Champalimaud. Maria João Cardoso, cirurgiã na Unidade da Mama, há muito envolvida nestes aspetos, lidera um consórcio internacional que os pretende valorizar, maximizar e generalizar. Para além dos cuidados médicos, ao mais alto nível e recorrendo às mais modernas e eficazes tecnologias, na Clínica de Pedrouços, também se fala, às doentes, de beleza e estética.
Já se falava. Mas, depois de concluído este projeto de cinco milhões de euros, financiado pela União Europeia falar-se-á de forma radicalmente diferente e com resultados cada vez melhores e, sobretudo, mais de acordo com os desejos e anseios das utentes. Até agora, as intervenções e reconstituições plásticas são feitas com base em aconselhamento dos médicos e, muitas vezes, do pessoal de enfermagem. A paciente não tem uma ideia clara do resultado final da intervenção. São-lhe mostrados uns rabiscos, desenhados pelo cirurgião ou por algum assistente com mais habilitações artísticas e, em alguns casos, fotografias de casos que, de alguma forma, se poderão assemelhar ao caso em apreço. Este projeto vai muito mais além! Recorrendo a algoritmos existentes e em aperfeiçoamento, a uma extensa base de dados fotográficos (devidamente anonimizados), às possibilidades do estado da arte da Inteligência Artificial (igualmente em franco desenvolvimento no Centro Champalimaud de Investigação em Neurociências) e ao tratamento concreto de fotografias em três dimensões da doente, realizadas pelo robot Pink desenvolvido por uma empresa checa, vai ser possível que a paciente possa ver e analisar com o clínico qual o resultado final das diferentes propostas que estiverem em análise. O que lhe vai ser apresentado não são rabiscos nem fotografias de casos semelhantes mas exatamente o seu peito, tal como está agora e como ficará depois da intervenção por si selecionada.

Para além da Champalimaud e do INESC, participam no projeto “Cinderella” do prgrama europeu Horizon Health, o hospital de San Raffaele de Milão, o hospital universitário de Heidelberg, o hospital univrsitário de Gdansk e o centro médico Sheba Tel Hashomer, perto de Telavive.

Edição
3892

Assinaturas MDB