Benfeitorias voluptuárias...
Para qualquer cidadão falar de benfeitorias ou de quaisquer obras que se fazem num prédio é como falar das obras (públicas) realizadas em qualquer povoação dos nossos municípios. As obras públicas serão sempre diversamente criticadas por qualquer munícipe como - “obras necessárias”, “obras importantes e necessárias” e “obras de inegável beleza e pouca utilidade” - como muito bem referiu o Sr Dr Henrique Ferreira, ilustre cronista de opinião em “políticas de quase promoção da pobreza” publicada no nº 3793 do nosso Jornal.
Porém, o conceito de “benfeitorias” no campo do direito tem outro significado. A melhor definição (jurídica) de benfeitorias fui encontrá-la no “Curso de Direito Brasileiro”, do Jurista Franzen Lima: “benfeitorias são obras ou despesas feitas num prédio móvel ou imóvel de outrém para o conservar, melhorar ou embelezar e assim as benfeitorias serão respectivamente, consideradas necessárias, úteis e voluptuárias”. Seguindo este autor, também parece ser o que está concretizado no artigo 216º nº 3 do CCP, que da mesma forma faz a distinção. - “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indespensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia o seu valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do seu benfeitorizante”.
As diversas benfeitorias realizadas num prédio têm de ser analisadas em conformidade com os artigos 1.273º, 1.274º e 1.275 do CC onde estão previstos o seu pagamento ou o seu levantamento pelo possuidor do prédio e as benfeitorias que nunca serão pagas: diz o artigo 1.273, nº 1 - “tanto possuidor de boa ou de má fé tem direito ao pagamento das benfeitorias necessárias que hajam feito e a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela” e, segundo o nº 2, não sendo possível o seu levantamento as benfeitorias serão sempre pagas. Nos termos do artigo 1.275º, nº 1 - “só o possuidor de boa fé pode levantar as benfeitorias voluptuárias, se não houver detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas” e segundo o nº 2, - “o possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito”. Como estas benfeitorias são (quase sempre) inseparáveis da coisa, o seu valor nunca será recuperado por quem as executou.
Ora, pela simples leitura destes artigos do CC e segundo a experiência de vida, podemos concluir que, por regra, as benfeitorias necessárias serão feitas pelos pobres, as benfeitorias úteis pelos remedeados (classe média) e as benfeitorias voluptuárias pelos ricos, ou exemplificando melhor e segundo as preocupações e possibilidades económicas de cada um: para se proteger da chuva, o pobre repara o telhado da casa; para delimitar o seu prédio o remediado ergue um muro de vedação do quintal; para seu recreio e da família, o rico implanta uma piscina no jardim. Se eventuamente, e contra o senso comum, um cidadão pobre com modestas economias, em vez de reparar o telhado do seu casebre que mete água, fizesse uma piscina no quintal, seria considerada pelos seus visinhos uma obra de “inegável beleza e pouca utilidade” e, como diz o Dr Henrique Ferreira na sua crónica, certamente “estaria a promover a sua própria pobreza”.
Estes são os princípios enunciados no nosso Código Civil quanto a benfeitorias; no entanto, dado o princípio da liberdade contratual – artigo 405º do cc – como os interessados podem “incluir nos contratos as cláusulas que lhes aprouver”, também quanto à realização de quaisquer obras (benfeitorias) podem acordar o seu pagamento ou levantamento. Na falta de qualquer cláusula em contrário, aplicam-se os princípios referidos do Código Civil.