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DIREITO PARA TODOS

Abuso de direito e abuso do poder
O exercício e a tutela dos direitos estão previsto na Parte Geral – Livro I – do Código Civil (C.C.) de 1966. Considerar o abuso de direito (art. 334º) como ilegítimo talvez seja um dos artigos mais inovadores do actual C.C. como disposição geral inserida em primeiro lugar no capítulo do “exercício e tutela dos direitos”. Também neste capítulo se legitima o exercício da acção direta - (336º), da legitima defesa - (337º), e do estado de necessidade - (339º), como meios de defesa dos direitos da própria pessoa e/ou do seu património, em circunstâncias excepcionais, ou seja, o próprio titular poder exercer directamente a defesa dos seus direitos em caso de violação ou ameaça iminente de violação e quando não lhe seja possível o recurso aos meios judiciais ou policiais em tempo útil.
Abuso de direito: - “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”- (art. 334º CC). Existe abuso de direito sempre que objectivamente sejam ultrapassados os limites normais do exercício de um direito; como ensinava Manuel de Andrade (Teoria Geral das Obrigações – Coimbra), “quando se exercem os direitos em termos clamorosamente ofensivos da Justiça”, ou, com “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” - (Boletim MJ nº 85, pag. 253). Ser titular de um direito não pressupõe o seu exercício em termos ilimitados ou absolutos, já que todo o direito tem sempre na sua génese um fim social ou económico em vista. Ora, esta finalidade social e económico não pode ser atingida de qualquer forma, mas dentro dos limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, sendo os bons costumes entendidos no sentido de cada homem dever adoptar boas práticas nas suas relações sociais. Uma boa prática social e até de cidadania será cada homem nortear a sua convivência com os outros seguindo o milenar princípio de direito romano: “alterum non laedere” - (não prejudicar ninguém). Segundo muitos juristas, a ilegitimidade do abuso de direito alicerça-se neste princípio de direito romano. Também, outro princípio de direito romano “honeste vivere” aparece num glossário de latim para juristas com a tradução: viver honestamente – “não abusar dos seus direitos”.
No dicionário de “Conceitos e Princípios Jurídicos” de Melo Franco, encontram-se várias definições de abuso de direito de conceituados juristas; o que se transcreve, segundo o Ac. Relação de Lisboa de 22/11/66 é o mais simples e acessível para qualquer cidadão: - “existe abuso de direito quando o direito é exercido pelo seu titular com intenção de prejudicar o direito de outrem, causando-lhe dano, de o vexar ou incomodar por mero capricho ou espírito malévolo produzindo clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente aceite”. O que o titular do direito pretende, o que tem em vista não é exercer um direito, tirar algum benefício do exercício do seu direito, mas apenas prejudicar, causar danos a outra pessoa; nestas circunstâncias, desde que esse prejuízo seja efectivo ou real, verifica-se uma situação de abuso de direito e o exercício do direito passa a ser ilegítimo.
Outra situação jurídica bem diferente é o “abuso do poder”, “uso abusivo do poder” ou “abuso do direito ao uso do poder” que geramente é associado ao direito administrativo, ou seja, à actuação dos agentes administrativos no sentido amplo. O agente exorbita o seu poder; umas vezes o exercício do poder está fora da competência de certa autoridade pública, porque ela não a tem no caso concreto; ou tendo-a, excedeu a autoridade que tinha. A um agente (autoridade) foi concedido o poder (legal) para atingir determinada finalidade, mas exerce o poder para atingir outras finalidades. O abuso do poder tanto pode ocorrer por acção como por omissão do seu titular. (o abuso do poder será abordado numa futura crónica).
A factualidade descrita por um leitor referente ao muro erguido pelo seu vizinho sem outra finalidade a não ser tapar a varanda da sua casa, parece-me ser um caso típico de abuso de direito e não um caso de abuso de poder. O recurso ao Tribunal será o caminho a seguir.

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