A opinião de ...

Em defesa dos nossos animais..

Alguém escreveu que “a forma como uma sociedade trata os seus animais nos indica o seu grau de desenvolvimento cultural”. Segundo notícias divulgadas pela imprensa, o dono de um canil impedia a entrada na sua propriedade vedada com uma rede às pessoas que pretendiam salvar os cães que aí tinha à sua guarda e que estavam a ser dizimados por um incêndio. Populares cortaram as redes e invadiram o canil para salvar os animais. Logo choveram criticas sobre a insensibilidade do dono do canil, imagens transmitidas pela televisão comoveram cidadãos, a discussão instalou-se, movimentos de defesa dos animais manifestaram-se e a revolta contagiou a nossa sociedade.
Muitos leitores me perguntam sobre a legitimidade da actuação daqueles populares nestas circunstâncias. Vou tentar responder de forma simples e concisa: a nossa lei trata a questão da defesa e do exercício dos direitos na Parte Geral do Código Civil, nos artigos 334º e seguintes, onde se estabelece como pode ser exercida a acção directa, a legítima defesa e o estado de necessidade, como forma excepcional de defesa dos direitos por acção do próprio interessado ou de terceiros sem necessidade ou na impossibilidade de prévio recurso às autoridades policiais e ao Tribunal. Da leitura dos artigos do CC a seguir referidos, para quem não lida com a terminologia jurídica não encontra diferenças no recurso a estes meios legais do exercício e defesa dos direitos, mas os pressupostos para justificar recorrer a um ou outro meio de defesa e exercício dos direitos são muito diferentes.
Segundo o artigo 337º CC, “considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente...” Pela leitura deste artigo, e como ensinava Antunes Varela - (direito das obrigações, 1ºV pag 444), “a legítima defesa consiste na reacção destinada a afastar uma agressão actual ilícita da pessoa, seja do agente ou de terceiro”. A acção directa (artigo 336º CC), “é o recurso à força (às vias de facto) para realizar ou assegurar o próprio direito”. O estado de necessidade (339º do CC) considera “lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo de um dano manifestamente superior quer do agente, quer de terceiro”. No estado de necessidade é sacrificado um direito ou destruído um bem com o fim de proteger um direito ou salvar um bem superior. Assim, na minha opinião, será no artigo 339º CC que se encontra a justificação para a entrada na propriedade alheia e a destruição da rede com o fim de salvar a vida daqueles animais.
No exercício da acção directa visa-se a conservação prática de um direito enquanto no estado de necessidade o agente procura evitar a consumação (ou a ampliação) de um dano. Como no caso concreto, a entrada numa propriedade (alheia) e a destruição de uma rede são actos necessários para salvar os animais que estavam a ser dizimados num incêndio. Entre estes dois valores - direito de propriedade/vida dos animais – o cidadão (normal) escolhe a vida dos animais, ou seja, aceita que seja sacrificado o direito de propriedade para salvar os animais e por não haver outra forma de proceder sem perda de tempo.
Todos os animais, e especialmente os animais de estimação, deixaram de ser tratados como coisas (artigo 201º CC). Os animais passaram a ser considerados como seres sencientes – seres com capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, ou seja, seres com capacidade de ter percepções conscientes do que lhes acontece e do que os rodeia. Em virtude de lhes ser reconhecida esta natureza, passaram a ter protecção jurídica, nos termos da Lei 8/2.017 – que estabeleceu o “Estatuto Jurídico dos Animais” – e, em consequência, veio aditar e alterar muitos artigos do nosso Código Civil de 1.966, nomeadamente quanto à alimentação e guarda dos animais que no caso de conflito quanto à sua pertença os tribunais têm de resolver. Também se verificaram alterações do Código Penal.
Recordo as palavras de Mahatma Gandi: “a grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser julgados pelo modo como trata os seus animais”.

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3793

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