A opinião de ...

A Pandemia e a Nova Humanidade - breves reflexões

Muito se escreve e se comenta sobre a pandemia e o cumprimento das normas respeitantes ao respetivo controlo – ainda bem. Basta abrir os jornais, ouvir os noticiários, e, sobretudo, os comentadores. Não curo de verter aqui exemplos vários de tanta informação, que, sendo necessária para fomentar o conhecimento reflexivo, optam alguns dos seus autores, por vezes, demasiadas vezes, por um sensacionalismo feroz que, de forma recorrente, gera exageros e mesmo confusão e desconfiança.
Hoje, estimados leitores, por força do que se passou (e passa) em Odemira, trago um excerto (oportuno) do discurso que o Papa Francisco proferiu na sua Lectio no parlamento europeu em 25.11.2014: «Sonho um novo humanismo europeu…Sonho uma Europa que cuida da criança, que socorre como um irmão o pobre e quem chega à procura de acolhimento, porque já não tem nada e pede abrigo. Sonho uma Europa que escuta e valoriza as pessoas doentes e idosas, para que não sejam reduzidas a objeto de descarte, porque improdutivas. Sonho uma Europa, onde ser migrante não seja delito, mas apelo a um maior compromisso com a dignidade de todos os seres humanos. Sonho uma Europa que promova e tutele os direitos de cada um, sem esquecer os deveres para com todos…».
Eis aqui o exemplo da clarividência e a defesa de uma Nova Humanidade e de uma Nova Sociedade, que, infelizmente, alguns teimam em distorcer através do anúncio de falsos “deuses”, como o “consumo” (“consumismo” – o supremo bem do neoliberalismo!) e a “tecnologia” (lembramo-nos da afirmação de Einstein – «Tenho medo do dia em que a tecnologia irá sobrepor-se à interação humana»). Tais “deuses” podem levar, se dermos crédito à sua ‘superioridade’ (?), à castração do homo sapiens sapiens, contribuindo dramaticamente para o obscurantismo, ignorância e negação do homem face à máquina. Por isso, questiono: estaremos de facto longe da barbárie, se o que nos move é a postergação dos valores mais elevados do homem? Ora, temos de aprender a dominar a complexidade do mundo atual, que exige mais pensamento e ação, mais conhecimento e reflexão, mais cooperação e interdependência – do que individualismo, medo, alienação, irracionalismo e descomprometimento social, propagados por gente astuciosa. Em concreto, esta pandemia veio obrigar-nos a refletir sobre o nosso futuro, que é já agora. É que estamos perante uma doença nova, das muitas que nos têm sobrado, incluindo as patologias infeciosas (o paludismo, a tuberculose, a febre amarela, o dengue, a cólera…), de que não sabemos o suficiente, conforme tem esclarecido a OMS.
Interroguemo-nos, então, como o fazia João de Salisbúria no século XII (inglês que foi bispo em Chartres, França): «Existe alguém mais desprezível do que quem desdenha o conhecimento?» (In A nova ignorância e o problema da cultura, Thomas De Koninck, edições 70, 2003, página 26).
O ser humano e a sua dignidade estão definitivamente acima de qualquer preço. Cuidemo-lo. Para construirmos sujeitos activos, pessoas intervenientes, cidadãos livres e responsáveis. E aprender a viver num ‘mundo imprevisível’, mas sem prejuízo de valores morais e éticos.

Paulo Cordeiro Salgado
3 de maio de 2021

Edição
3831

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