Padre Manuel Antunes: Uma educação para pensar o mundo
legado de um dos maiores pensadores portugueses do século XX e a urgência de uma formação humanista e crítica para as novas gerações.
(continuação da edição anterior)
Hoje, assistimos à crescente hegemonia de uma mentalidade dominada pela lógica do cálculo — fria, utilitarista — em detrimento de um pensamento mais profundo, verdadeiro, reflexivo e criativo. Pensar, recordava PMA, é procurar activamente soluções para as feridas do mundo; já calcular limita-se a ponderar ganhos e perdas numa lógica autorreferencial, onde a novidade e a busca do saber são frequentemente vistas como imprudentes ou irrelevantes.
António Sampaio da Nóvoa assinala que vivemos mais numa lógica de reprodução acrítica do saber do que numa verdadeira cultura de pensamento. O desafio, sublinha, está em fazer as perguntas certas — porque são elas que movem o pensamento, que o inquietam e lhe dão direcção. Assim, a missão da universidade deverá ser mais pensar do que replicar; mais perguntar do que responder; mais criar do que imitar.
Como nos alerta também PMA, é urgente inverter esta tendência. É necessário formar gerações capazes de pensar, em vez de apenas calcular. No contexto nacional, isso significa promover menos reprodução e mais pensamento crítico, menos cópia e mais produção de conhecimento (Franco, 2008, p. 300). Afinal, “o único necessário, ou (...) o mais necessário, é viver humanamente, é existir sabendo, realmente sabendo, que se existe e para que se existe” (Franco, 2008, p. 306). A cultura deve, pois, ser assimilada e integrada como parte essencial da identidade de cada pessoa, implicando uma compreensão profunda do passado e das múltiplas interpretações do mundo e da vida (Franco, 2008, p. 306).
O futuro da humanidade dependerá da nossa capacidade de construir uma educação que respeite a singularidade de cada um, promovendo o desenvolvimento pessoal e o pensamento crítico — em oposição aos modelos uniformizadores que ainda dominam o ensino actual.
Em síntese, PMA propõe-nos uma educação que una vida e saber, capaz de curar as feridas do mundo e formar seres humanos verdadeiramente livres e conscientes. O direito ao saber deve ser encarado, antes de mais, como um dever (Franco, 2008, p. 305). O Concílio Vaticano II, na constituição “Gaudium et Spes” (n.º 15), alerta-nos: “O futuro do mundo corre perigo se não surgirem homens mais sábios” (Gaudium et spes, 1965).
Para que essa sabedoria floresça, PMA propõe um projecto educativo global e cultural, assente em quatro pilares fundamentais: dignidade, oportunidade, segurança e responsabilidade. É interessante notar como o actual Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, Cardeal D. José Tolentino Mendonça, segue essa mesma linha de pensamento. Segundo ele, a educação deve ser fraterna, solidária e criativa, baseada na escuta e na partilha. Afirma: “O objectivo principal do Pacto Global de Educação é educar todos para uma vida mais fraterna, baseada não na competitividade, mas na solidariedade” (Educação, 2022).
Este é o caminho: uma educação verdadeiramente humanista, que forme pessoas realizadas, felizes e comprometidas consigo mesmas e com o mundo.
Bibliografia
Discurso do Papa na Universidade Católica Portuguesa. (2023, agosto 3). JMJ 2023. https://www.lisboa2023.org/pt/artigo/discurso-do-papa-na-universidade-c…
Educação: Cardeal Tolentino Mendonça sublinha necessidade de promover «uma vida mais fraterna», superando paradigma da «competitividade» – Agência ECCLESIA. (2022, outubro 27). https://agencia.ecclesia.pt/portal/educacao-cardeal-tolentino-mendonca-…
Gaudium et spes. (1965). https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documen…
Franco, J. E. (2008). Padre Manuel Antunes, SJ. Obra Completa. Paideia: educação e sociedade (Vol. II). Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian.