Entrevista

“Aprendi a viver o momento e a filtrar tudo o que de bom podemos retirar dele”

Publicado por Guilherme Moutinho em Qui, 2019-03-07 09:27

“Aprendi a viver o momento e a filtrar tudo o que de bom podemos retirar dele”

Fernando Morato, um jovem brigantino que brilha alto na Segunda Liga, no Académico de Viseu, como preparador físico da equipa técnica de Rui Borges. Com passagem pelo Bragança e Mirandela abraça agora este novo desafio com concentração e sentido de responsabilidade.

MdB – Como e quando começou a tua ligação ao Futebol?

FM - A ligação ao futebol iniciou a partir do momento em que nasci. Através da forte influência genética, oriunda do meu pai que foi jogador e depois, treinador. Por isso, desde pequeno que existia uma “pressão saudável” para a prática de exercício físico, nomeadamente para o futebol. Foi, de facto, uma paixão imediata em relação à modalidade.
Aos poucos, fui percebendo que os filhos são a representação dos sonhos dos pais.
Acabei por fazer uma “carreira” curta como jogador, porque apesar de sentir que tinha alguma qualidade, não tinha intensidade para aquilo que o jogo pedia.
Por isso, e por passar grande parte da minha “mini-carreira” sentado ao lado dos treinadores, fui ganhando um gosto especial por essa posição e por esse estatuto.

MdB - Apesar de ainda seres muito novo já tem um percurso respeitável no futebol. Como foi o esse caminho até a este momento?

FM - A partir do momento que concluí a minha formação académica, com 21 anos, comecei a partilhar algum trabalho via redes sociais através do meu projeto “nandoptofficial”, na área da performance e rendimento desportivo, acompanhando alguns atletas.
Através dessa partilha, fui convidado pelo mister Zé Gomes para fazer parte da equipa técnica dele, no Grupo Desportivo de Bragança.
Experiência positiva e bastante enriquecedora mas que terminou ao final de 7 meses.
Após isso, ingressei no Sport Clube Mirandela a convite do mister Rui Borges, e onde trabalhamos durante um ano e meio.
Atualmente, faço parte da equipa técnica do Académico de Viseu, liderada pelo Rui.

MdB- Como prepara a sua equipa num escalão diferente do futebol? Existem atenções ou condicionantes diferentes?

FM -Para já é muito cedo falar um pouco sobre isso, uma vez que estamos com apenas duas semanas de trabalho.
No entanto, a base de trabalho é a mesma, tendo em conta que a finalidade também é a mesma. Agora, é fundamental reconhecer o contexto em que estamos inseridos. Neste caso específico, na 2ªLiga, conseguimos perceber que existe uma grande percentagem de ações de intensidade média-alta que os jogadores fazem ao longo dos jogos, e por isso, são solicitados sistemas energéticos diferentes de outras realidades.
Resumindo, a ideia será sempre: identificar-adequar-operacionalizar. Seja em que contexto for.

MdB - No teu treino como fazes para potencializar a tua equipa de forma a estar melhor e mais preparada que o adversário?

FM - Dentro daquilo que é a nossa dinâmica semanal, nós priorizamos e orientamos o trabalho para melhorar e corrigir tudo aquilo que não correu bem no jogo anterior. Damos mais ênfase à nossa equipa do que propriamente ao nosso próximo adversário. E é função disso que potenciamos a nossa equipa, fortalecendo a nossa ideia e as nossas dinâmicas.
Obviamente, que ao longo da semana, existe uma análise que fazemos enquanto equipa técnica para também salvaguardar e preparar os nossos jogadores para aquilo que poderão ser as circunstâncias do próximo jogo.

MdB - Como estás a viver este momento na tua carreira?

FM - Tento manter o máximo de concentração e focar-me naquilo que é realmente importante neste momento, tirar o Académico desta posição desconfortável, a nível classificativo. Aproveitar sim cada momento e cada conquista na dose certa, mas nunca deixando de parte aquilo que nos trouxe aqui e aquela que é a função e a tarefa que nos foi pedida.

MdB - Foi difícil trocar Bragança por uma cidade como Viseu?

FM - Trocar a cidade de Bragança, em qualquer circunstância, seria difícil para mim. É a minha terra natal, tenho um carinho especial pela cidade e por todos os brigantinos.
Levo sempre o símbolo da cidade comigo e faço questão disso mesmo, também para demonstrar que o conhecimento e a informação chegam ao interior Norte, suavizando a ideia errada que as pessoas têm de Bragança, principalmente a nível nacional.
Em relação a Viseu, nestas duas semanas iniciais, as primeiras impressões têm sido fantásticas, em todos os sentidos.

MdB - No treino de preparação física em que aspeto foca mais o treino?

FM - Para resumir esta pergunta que poderia ter mil e uma respostas, a preparação não deve ser entendida como um todo mas sim como uma parte, ou seja, esta vertente mais relacionada com a parte física dos atletas está dependente de outras. Da forma como a equipa joga, da forma como pensamos no jogo, no treino e ainda, na forma como os atletas reagem às cargas.
Dentro disso, definimos vias e sistemas energéticos a potenciar os jogadores da melhor forma para aquilo que são os desafios do jogo.

MdB - O teu passado recente como “personal trainer” é fundamental no exercício das tuas funções?

FM - O passado recente como “personal trainer” ajudou-me imenso, através do erro. Com isto, eu não quero dizer que errava com os meus clientes para acertar no clube. Não.
Significava que a função que exercia me permitia receber imensos feedbacks e respostas motoras sobre tarefas e estímulos que eu pretendia em cada sessão.
Ajudou-me também a evoluir na questão do relacionamento com os outros. O contacto diário com dezenas pessoas, a partilha de informação e de histórias com as mesmas, fez-me crescer a um nível muito grande. Todos os dias aprendia mais qualquer coisa, com uma pequena conversa.
Atualmente sinto que estas ferramentas adquiridas no exercício dessa função são uma mais-valia no contexto desportivo em que estou inserido.

MdB - Quem é a tua referência no mundo do futebol?

FM - Nunca fui uma pessoa que, fixasse uma referência, a longo prazo. Existem, obviamente, pessoas que vão marcando e orientando o nosso trajeto pessoal e profissional, mas não dou grande importância a referências, mas talvez sim aos seus feitos ou forma de trabalhar.
Por exemplo, num contexto mais mediático, Pep Guardiola é talvez o ser humano que mais se aproxima para mim de uma referência. A esse, mas a um nível inferior, Marcelo Bielsa e Diego Simeone.
Num contexto mais próximo, tenho uma admiração enorme por 3 treinadores que até hoje tive oportunidade de privar e trabalhar junto. Rui Borges, Zé Gomes e o meu pai, Marcelo Alves.

MdB - Como podemos definir o Morato enquanto técnico? E a nível pessoal?

FM - Enquanto profissional encontram aqui um “miúdo” bastante determinado em executar de forma competente as suas tarefas. Sob a perspetiva do treino, gosto que as coisas tenham dinâmica, organização e intensidade.
Costumamos dizer aos nossos atletas que até “para hidratar é a correr, ninguém joga a passo”.
A nível pessoal, gosto muito de brincar com todos os profissionais da área, partilhar um bocadinho as minhas experiências. Adoro ver e reconhecer atletas que conseguem diferenciar a brincadeira do trabalho.
Amigo de toda a gente, sincero e zero intriguista, coisa que é quotidiano no futebol atual.

MdB - Quais os objetivos profissionais a que te propões?

FM - Os objetivos são colocados diariamente. Realizar cada tarefa e sessão com a maior competência possível e que isso se transporte para aquilo que é importante, para os jogadores e para o jogo.
Penso nas coisas de uma forma muito racional, viver e usufruir do imediato para servir de bagagem a longo prazo.
Aprendi a viver o momento e a filtrar tudo o que de bom podemos retirar dele, quer seja em contexto profissional ou não.
Mas acredito que existe uma caixinha mágica de surpresas guardadas para quem trabalha para aquilo que ambiciona.

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