A opinião de ...

A Agonia da Monarquia

Num certo dia de 1907, o rei D. Carlos desabafava com o tenente-coronel José Lobo de Vasconcelos: «julgas que ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que andam os ânimos, qualquer dia matam-me à esquina de uma rua. Se me metesse em casa que pensariam os cidadãos e que ideia fariam de mim os estrangeiros? Assim, mostro que há sossego no País e que têm respeito pela minha pessoa»! Enquanto o monarca se inquietava e lamentava o que dizia ser «uma Monarquia sem monárquicos», escritores como Guerra Junqueira instigavam «dar caça» ao caçador Simão (o rei) e Aquilino Ribeiro preparava artefactos bombistas (esteve no Terreiro do Paço), monárquicos dissidentes, como o Visconde da Ribeira Brava e José de Alpoim, manobravam na sombra contra a coroa, e políticos republicanos como Afonso Costa, António José de Almeida, João Chagas e Egas Moniz, orientavam vontades republicanas para abater a Monarquia.
Com o afastamento de D. Carlos e o assassínio do Primeiro-ministro João Franco em mente, a linha «dura» republicana e dissidentes monárquicos, em conluio com a Maçonaria de Magalhães de Lima e a Carbonária de Luz Almeida, encetaram a denominada Intentona do Elevador, em Lisboa, a 28 de janeiro de 1908. Contudo, a conjura foi descoberta, muitos dos seus mentores acabaram presos e ações de rua sufocadas pelas forças do regime. A revolta republicana parecia anulada. Contudo, o foco da conspiração manteve-se e, no terreno, permaneceram grupos armados organizados.
Então, três dias depois ocorre o Regicídio. Ao cair da tarde desse 1.º dia de fevereiro, a Família Real regressa de Vila Viçosa, desembarca no cais das colunas e segue em landaus abertos pelo trajeto Terreiro do Paço-rua do Arsenal rumo às Necessidades. De repente, ouve-se um estampido junto à estátua de D. José, tiro de aviso dado por um operacional, destinado a desviar atenções, seguido de disparos sobre o landau do rei por um grupo posicionado ao longo do percurso. É então que tem lugar a ação decisiva: Manuel Buíça posiciona-se no meio da rua no enfiamento do landau e, de joelho em terra, mata D. Carlos e o Príncipe D. Luís Filipe com pontaria certeira de carabina, aquele na nuca e este na cara; Alfredo Costa surge das arcadas e, estribado na viatura real, atinge com tiro de revólver o rei já morto, o príncipe no peito e o infante D. Manuel no braço, além de levar nas fuças com o ramo de flores de uma corajosa rainha D. Amélia. Tudo muito rápido, tratou-se de uma matança a céu aberto, que ficou incompleta! Não por acaso, havia ainda quem entoasse, dias depois, «já mataram o rei gordo; e o magrinho também; acabem com o que ficou; depois liquidem a mãe». Um dos raros homens públicos daquela época com dignidade pessoal e sentido de responsabilidade coletiva foi traiçoeiramente fuzilado, através de uma emboscada montada no Terreiro do Paço por um grupo carbonário de 5-6 primos, que agiram de acordo a «reta» intenção republicana.
O que ficou para a História? 1) Dois regicidas (Buíça e Costa) convenientemente eliminados momentos após a ação, sem serem interrogados; 2) O afastamento de João Franco, bode expiatório da governação, e uma política de acalmação errática entre 1908-1910, assumida por D. Manuel II, que só serviu para acelerar a implantação da República dois anos depois; 3) Um processo de investigação judicial que havia de desaparecer posteriormente do cofre do ministro da Justiça (Afonso Costa) durante a República, ficando o crime sem castigo; 4) Três sistemas de governação republicana: o primeiro é parlamentar e de cariz jacobino-carbonário, que se afundou com a anarquia nacional; o segundo é autoritário-unipessoal e de matriz corporativista, que caiu por excesso de prazo de validade; o terceiro existe há 48 anos afundado na corrupção elitista e numa governação sem sentido de Estado, externamente dependente.

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