A opinião de ...

Não é a Ucrânia, é a democracia

António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, apelou a Putin, “em nome da humanidade”, que não começasse “na Europa a pior guerra desde o início do século”. Gesto inusitado e muito corajoso, para mais dirigido a um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Na mesma linha discursiva e com idêntica preocupação, o Papa Francisco declarou que “a guerra é um fracasso da política e da humanidade”. Preocupado com o rumo dos acontecimentos no Leste da Europa, deslocou-se à embaixada da Rússia no Vaticano, atitude de grande simbolismo e humildade, e mais uma vez surpreendeu o mundo, granjeando respeito e admiração.
Pode-se saber como e quando começa uma guerra, mas ninguém pode prever quando e como vai acabar. “Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou”, afirmou também o Papa. Foi esta evidência que, perante os destroços da II Guerra Mundial, juntou seis países num projeto singular, a Comunidade Económica Europeia, espaço de paz, democracia e progresso. Paz que tem perdurado desde então. Democracia e progresso que se estenderam a mais vinte e dois estados soberanos que, ao longo do tempo, vieram a convergir nesse ideal gizado por Monnet e Schuman e hoje formam a União Europeia a 27. Alguns destes Estados-membros fizeram parte da União Soviética e do Pacto de Varsóvia. Outros faziam ou passaram a fazer parte da NATO. E há os que têm fronteiras com a Federação Russa.
Lembrar a história ajuda a compreender o quanto andámos para aqui chegar. Permite perceber as alterações geopolíticas, os alinhamentos ideológicos e os interesses económicos. Acompanhar a reconstrução da Europa depois da I e da II Guerras Mundiais. Identificar as sequelas de transformações tão profundas e dolorosas. Conhecer a história para retirar ensinamentos. A história não se repete, mas apresenta semelhanças. Quem revisitar os anos 30 do século passado, vai reconhecer no presente alguns sinais que conduziram à tragédia do passado. Como agora em relação a Putin, também em relação a Hitler, os aliados desvalorizaram indícios e probabilidades e foram (com)cedendo ao líder do partido nazi os instrumentos de poder absoluto. Putin mudou as leis que o limitavam no tempo e na ambição de tudo poder. Já provou que democracia não faz parte do seu vocabulário. Que estado de direito é apenas um conceito para outros aplicarem. Que direitos humanos são os decretados por ele. Que as fronteiras da Rússia serão onde ele quiser.
A Ucrânia é o pretexto para Putin testar a reação do Ocidente e dar o grande passo de invadir um Estado soberano. Hitler queria unificar os povos de língua alemã, Putin os de língua russa. O desígnio de Putin é restaurar o império perdido com o desmantelamento da União Soviética e condicionar, se possível destruir, a democracia. Tal como Hitler, não tem princípios e até dispõe de mais meios para atingir os seus fins: armas nucleares e cibernéticas. Já imaginaram o que seria Hitler com a bomba atómica e o ciberterrorismo? Certamente que os líderes mundiais vão ter isso em conta ao decidirem as sanções a aplicar a Putin.

Edição
3873

Assinaturas MDB