A opinião de ...

O grande Vieira

A Obra Completa do Padre António Vieira (Círculo de Leitores, 2013-2014) fechou-se com o lançamento, em 3 de Dezembro, na Reitoria da Universidade de Lisboa, dos últimos volumes, que perfazem a trintena ‒ aventura nunca antes conseguida. O projecto nasceu em duas unidades de investigação desta Universidade ‒ Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias e Centro de Filosofia ‒, tendo-se constituído uma vasta equipa internacional dirigida por José Eduardo Franco e Pedro Calafate. Está em curso, entretanto, um Dicionário Vieira, além de antologia do nosso Seiscentista para edição em várias línguas. Treze instituições apoiaram financeiramente a iniciativa, entre as quais a Academia de Letras de Trás-os-Montes, que, em troca de modesto subsídio, vai inscrita em cada exemplar, multiplicando por milhares a sua presença no mundo.
A edição de Vieira (1608-1697) nunca atingiu esta plenitude. Tínhamos acessíveis 15 volumes de sermões (responsabilizei-me, agora, pelo vol. IX), três de cartas ‒ que passaram a cinco, algumas inéditas, e nova disposição, face às 719 recolhidas por João Lúcio de Azevedo ‒,  e, quanto à profética (seis volumes), há releitura da História do Futuro e nova tradução da Clavis Prophetarum, mais completa. Nos quatro volumes de Varia, não poucos ficarão admirados com Vieira poeta. Assim, em cerca de 12 mil páginas cientificamente anotadas, com apresentações prévias iluminadoras, temos a verdadeira dimensão do grande Vieira, que nos obriga, doravante, a renovadas leituras.
Ao antologiá-lo no quarto centenário do nascimento (Sermões, Cartas, Obras Várias, Lisboa, Tupam Editores), dele escrevi ser Homem de «avisos» prenunciando «A madrugada irreal do Quinto Império» nas margens do Tejo, como reza “António Vieira”, título simples para o único escritor entre os heróis pátrios que desfilam na Mensagem (1934) pessoana. «Imperador da língua portuguesa, / Foi-nos um céu também», acrescentava, já Miguel Torga lhe chamava «Misto de génio, mago e aventureiro», raro «Filho peninsular e tropical / De Inácio de Loyola, / Aluno do Bandarra / E mestre / De Fernando Pessoa», que, «No Quinto Império que sonhou, sonhava / O homem lusitano / À medida do mundo» (“António Vieira”, Poemas Ibéricos, 1965).
Intelectual à medida, também, do nosso tempo, cujo esforço de mediação política e social precedeu em mais de um século o Iluminismo, saliento, nos dias que correm, o Sermão do Bom Ladrão (1655; t. III, 1683), pregado na igreja da Misericórdia, em Lisboa. É um tratado sobre a arte de furtar (não por acaso lhe hão-de atribuir obra com este título), propondo soluções que sentenciem os vários tipos de ladrões, do administrador e julgador ao próprio rei, enquanto indivíduo, ou responsável por aqueles, em lesão da República. A flagrante actualidade deste pensamento ‒ quando os príncipes, «em vez de guardarem os povos como pastores, os roubavam como lobos», para lá de impostos gravosos, não destinados à defesa do reino ‒ denuncia um abuso político assente em raízes morais questionáveis. Já argumentado em parágrafos do Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650), este assunto deveria ser considerado pelos fazedores de leis e jurisperitos.
 
 
 

Edição
3502

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