A opinião de ...

A descentralização municipal (VI)

A descentralização municipal
 
Procuraremos explicar neste artigo a articulação conceptual conducente ao processo de transferência de competências para os municípios uma vez que o XXI Governo Constitucional pretende ampliar-lhes os domínios de intervenção (atribuições) mais do que os poderes políticos e organizacionais (competências) e analisar o conteúdo substantivo desta descentralização.
A análise conduziu-nos à necessidade de enquadrar o processo de descentralização no texto constitucional, distinguindo-o do processo de regionalização autónoma, aquele possível por legislação de qualquer governo e este apenas por lei constitucional ou soberania popular (referendo), o que fazemos na Secção 1.
Na Secção 2, elaboraremos os aspectos distintivos das diferentes entidades de população e território a partir da categoria «autonomia».
Na Secção 3, analisaremos a amplitude e profundidade das diferentes formas de autonomia a partir das categorias «atribuições» e «competências».
Na Secção 4, inventariaremos os processos de descentralização relacionando-os aos conceitos de autonomia, atribuições e competências.
E nas secções 5 e 6, analisaremos o conteúdos da descentralização anunciada, bem como as respectivas competências e meios, classificando tal descentralização em termos do conceito ideal de entre descentralizado à luz da Constituição.
 
 
1. A morte anunciada e precoce das regiões administrativas
 
O XXI Governo Constitucional anunciou na semana passada um novo pacote de competências a descentralizar nos municípios e nas CIM (comunidades intermunicipais). Este pacote amplia os domínios de intervenção mas não altera as competências, mantendo os poderes municipais e inter-supramunicipais intocados em matéria de capacidade de decisão política, científica/técnica, financeira e administrativa. Porém, consuma a ideia de que a região administrativa, ainda vigente nos artigos 236 e 255 a 262 da Constituição da República Portuguesa (CRP) é já um museu e que assim deverá manter-se.
As políticas de transferência de domínios de intervenção e competências para os municípios e suas associações têm, desde 1983 (Lei 42/1983 e Decretos-Lei nºs 77 e 299/1984), colocado em evidência um conflito latente nos protagonistas intelectuais dos dois maiores partidos políticos portugueses entre região autónoma e região administrativa, por um lado, e entre descentralização e regionalização administrativa, por outro.
Tal conflito tem origem no facto de os constitucionalistas de 1975/1976 limitarem a região administrativa à categoria de autarquia local (artº 236 da CRP) e de a conceberem como instituível por descentralização administrativa (artº 237 da CRP) após referendo nacional (artº 256 da CRP), elementos que são contraditórios entre si pois a descentralização é um dos processos de organização da administração pública pelos governos e o referendo é um processo de decisão sobre a criação de regiões autónomas por soberania popular. Não conhecemos os diários das sessões da Assembleia Constituinte nesta matéria mas esta contradição pode resultar das concessões mútuas resultantes dos conflitos de concepções e interesses das diferentes forças políticas de então.
As semelhanças e diferenças entre regiões autónomas e autarquias locais (regiões administrativas e municípios e suas associações) são importantes e devem ser explicitadas. Do mesmo modo que os processos de organização da administração pública: descentralização, desconcentração e centralização, uma vez que o artigo 237 da CRP impõe que a criação e transferência de competências para estas autarquias locais se faça por descentralização, processo pelo qual o Estado começa por reconhecer a personalidade jurídica de uma entidade e lhe atribui o estatuto de pessoa colectiva, distinta da pessoa colectiva Estado, mas o processo é muito mais complexo e tem de ser explicado.
Na secção 2 deste artigo, centrar-nos-emos nas semelhanças e diferenças entre regiões autónomas versus autarquias locais (regiões administrativas, municípios e associações de municípios.
Nas secções seguintes, explicaremos em que consiste a descentralização, as suas formas e graus de profundidade e ainda o seu meio-caminho, a desconcentração, e o contrário da primeira, a centralização, referindo-nos, em concreto, às novas competências transferidas para os municípios pela resolução da semana passada.
 
2. Semelhanças e diferenças entre regiões autónomas e autarquias locais
 
Tal como anunciámos no último artigo (MB, 23-02, p.7), construímos hoje a secção 2 do mesmo, com o título «Semelhanças e diferenças entre regiões autónomas (RA) e autarquias locais (AL)».
As RA são a Região Autónoma dos Açores e a Região Autónoma da Madeira. As AL são ou podem ser cinco: 1) as regiões administrativas (RADM), que ainda não existem mas que administrariam a população e o território de vários municípios; 2) as 22 comunidades intermunicipais, associações de municípios por critério geográfico; 3) as 308 autarquias municipais ou municípios; 4) algumas ainda existentes associações de municípios; e, 5) as 3092 (desde a Lei de 2013) autarquias de freguesia ou freguesias.
Trata-se de pessoas colectivas com graus de autonomia política e organizacional muito diferentes e, até, no caso das CIM, das associações de municípios e das associações de freguesia, de entidades que funcionam no regime de democracia indirecta, por transferência para cima, por um processo de sucção e amputação municipal, consentida pelos municípios.
Estes diferentes níveis de autonomia compreender-se-ão melhor à luz das categorias «autonomia», «atribuições» e «competências». São esquemas conceptuais que nos podem dizer a intensidade e a quantidade de autonomia de cada uma das entidades
Analisaremos hoje os diferentes graus possíveis de autonomia. Fazemo-lo a partir da hierarquização estruturada na CRP, no Direito Constitucional, no Direito Administrativo e na Teoria da Administração. A primeira autonomia engloba todas as outras e assim sucessivamente.
Tais formas de autonomia são:

  1. Autonomia constitucional e de tutela legal e de mérito, exclusiva do Estado soberano e, partilhada parcialmente pelas regiões autónomas;
  2. Autonomia legislativa, exclusiva das regiões autónomas, que consiste na capacidade de adequar e aprovar as leis e os decretos-lei regionais e de fazer os próprios regulamentos da Região;
  3. Autonomia política, que consiste na capacidade de estabelecer os seus próprios e exclusivos objectivos;
  4. Autonomia administrativa, que consiste na capacidade de aprovar os seus próprios regulamentos e de produzir decisões só recorríveis e impugnáveis perante os tribunais administrativos e civis;
  5. Autonomia financeira, que consiste na possibilidade de lançar impostos, taxas e tarifas e de poder criar campos de intervenção (rubricas) e despesas e de transferir verbas entre rubricas;
  6. Autonomia patrimonial, que consiste em poder comprar, alienar e ser dono do património próprio;
  7. Autonomia científica/técnica, que consiste em poder decidir, mediante pareceres técnicos, próprios ou adquiridos, como desenvolver e executar projectos;
  8. Autonomia de tutela política, legal e administrativa, que consiste na detenção do poder de controlar e conformar os actos praticados aos objectivos, à lei e aos regulamentos e de sujeitar os prevaricadores à justiça.

Exposto, isto, sintetizamos que as regiões administrativas e todas as outras espécies de autarquias locais só detêm, em graus variados, as autonomias c), d), e), f) e g).
As categorias «atribuições» e «competências» permitir-nos-ão compreender a amplitude e profundidade destas autonomias. Abordá-las-emos na secção 3. “Significado e alcance das categorias «atribuições» e «competências»”.
 
3. Atribuições e competências, a substância da autonomia
 
Na sequência das duas secções anteriores (MB, 23-02, p.7 e 03-03, p.27), diremos que a autonomia, sem conteúdo, seria inexistente ou não teria utilidade. E que os adquire mediante atribuições e competências que, por sua vez, podem ter conteúdo diverso e mais ou menos amplo e profundo.
As atribuições são domínios ou áreas de intervenção. Estabelecem os campos em que as entidades podem e têm o dever de intervir pois a mesma atribuição só pode estar numa entidade, detendo a entidade tutelar (superior) o poder de substituí-la ou providenciar soluções (princípio da subsidiariedade) em caso de omissão grave de dever ou de impossibilidade de cumpri-lo.
As competências são poderes-deveres administrativos e organizativos, isto é, o que a entidade pode e deve fazer em cada área e domínio de actuação em termos de formulação de: objectivos políticos e estratégicos, concepção do que fazer, planificar, financiar, organizar, executar, avaliar, controlar e informar.
Quantas mais atribuições tiver uma entidade, mais amplas ou extensas são as suas funções sociais. Quantas mais competências, mais profunda será a autonomia.
Em Portugal, as competências são universais, isto é, iguais para para cada um dos municípios e freguesias. Porém, aquilo que Henry Mintzberg designou por tecnoestrutura, ou seja, a capacidade tecnológica (conhecimentos, tecnologia e recursos humanos) deveria constituir um princípio de diferenciação conforme as forças dos três elementos enunciados.
Na Europa, as administrações públicas estão organizadas por áreas sociais, a que se convencionou chamar funções sociais (educação, saúde, assistência social, economia, ambiente, desenvolvimento, etc..). Apenas o Estado tem responsabilidades em todas as áreas ou funções sociais estabelecendo os princípios de actuação e os grandes objectivos a prosseguir por cada uma das entidades.
O Estado é por isso pan-funcional (tem todas as funções) até porque tem de garantir a eficácia da administração através do princípio da subsidiariedade. Já as regiões autónomas são multifuncionais porque, como vimos, só não intervêm na defesa, na moeda, nas polícias e na justiça, e garantem o princípio da subsidiariedade em relação aos respectivos municípios. Já os municípios e as freguesias do continente são plurifuncionais porque intervêm apenas em algumas áreas, as quais têm aumentado desde 1976.
Os municípios e as freguesias deveriam ter autonomia no estabelecimento e execução das suas políticas e respectivos programas cumprindo o Estado o controlo legal, penal e criminal (tutela legal e de justiça), nos termos constitucionais. Porém, a nossa Constituição omitiu o dever de orientação por parte do Estado sobre os municípios (tutela de mérito), não o omitindo em relação à restante administração pública.
Esta omissão tem saído cara à autonomia dos municípios e freguesias porque o Estado a tem aproveitado para impor políticas através de contratos-programa e de programas de financiamento coarctando a liberdade política dos municípios, procedendo do mesmo modo os municípios para com as freguesias, num mimetismo por vezes desonroso. Assim se esvai muita da autonomia prevista na Lei
Veremos na próxima secção, a 4., como opera o Estado na outorga de autonomia, atribuições e competências concretizando a descentralização sob várias formas.
 
4. A descentralização: criação de pessoas colectivas e outorga de autonomia, de atribuições e de competências
Centralização, desconcentração e descentralização são reconhecidos pelo artigo 237º da Constituição como os processos de organização da Administração Pública e da Administração Territorial não regionalizada. Analisemos o seu significado e consequências.
A centralização é o processo no qual todas as decisões importantes são tomadas pelos ministros, secretários de estado, directores-gerais e delegados destes nos diferentes níveis de administração dispersos pelo território para aproximar os serviços das populações. Todos os serviços pertencem à pessoa colectiva Estado, desempenhando uma função social do mesmo (educação, saúde, economia, etc.). É própria de administrações pouco especializadas, designando-se genericamente por administração geral. Quando as administrações começam a especializar-se recorre-se à desconcentração e à descentralização, no pressuposto de que uma entidade especializada presta um melhor serviço aos cidadãos e faz melhor as coisas.
A desconcentração consiste em especializar serviços do Estado, ainda sob a orientação e controlo deste, por função social (educação, ambiente, economia, etc.) e em atribuir-lhes competências próprias, dotando-os de órgãos de decisão, individual ou colegial. Quando os profissionais são especializados (educação, saúde, institutos públicos especializados) podem eleger os seus dirigentes, reconhecidos depois pelo director-geral ou dirigente hierárquico superior. As decisões destes órgãos só podem ser anuladas por vício de forma legal.
Os serviços desconcentrados são criados por via originária, isto é, por Decreto-Lei. A delegação de competências ou desconcentração derivada não é considerada uma desconcentração efectiva, até porque é comum à centralização.
A descentralização é a forma de especialização da Administração Pública mais autónoma. Começa por ser institucional porque, para descentralizar, o Estado tem de ter criado, antes, a entidade na qual vai descentralizar. Para isso, cria a instituição e confere-lhe personalidade jurídica e estatuto de pessoa colectiva. Esta entidade já não é um serviço mas um organismo, que passa a ser responsável pelos seus actos perante os tribunais. Está portanto fora da alçada do Estado a não ser para controlo da legalidade pelos tribunais.
A descentralização pode uma de duas formas: a) cumprir uma ou parte de uma função (área) social da administração pública como educação, saúde, transportes, etc. (descentralização funcional) e b) administrar uma população e um território em várias funções (áreas) sociais (descentralização territorial e funcional), através de autarquias regionais (ainda não existentes), municipais e paroquiais.
Tanto a forma funcional como a forma territorial e funcional da descentralização obrigam à existência de um Conselho de Administração (Conselho de Vereadores ou Junta de Freguesia no nosso caso), de um órgão de direcção, a assembleia geral (assembleia municipal e de freguesia no nosso caso) e de controlo, o conselho fiscal (assembleia municipal e de freguesia no nosso caso).
Em algumas entidades descentralizadas funcionalmente, o Estado nomeia o Conselho de Administração, atenuando os poderes da entidade descentralizada em termos de autonomia política (ex., Infraestruturas de Portugal, TAP, RTP, Hospitais EPE e outras).
Em ambas as formas de descentralização, o Estado define, ou no acto de criação ou na Lei Orgânica da entidade, por Lei (municípios e freguesias) e por Decreto-Lei (restantes entidades), as atribuições, as competências e o regime de autonomia, outorgando autonomia política e as autonomias desta derivadas, no caso da forma territorial e funcional, e autonomias diferenciadas conforme a tecnoestrutura da entidade, no caso da forma funcional (cf. Secção 3.).
No próximo artigo, o quinto, trataremos do conteúdo da descentralização municipal e paroquial para terminarmos, no sexto, com a análise das novas competências municipais.
 
5. Autonomia, atribuições e competências das câmaras municipais e das freguesias
 
Analisámos nas secções anteriores os pressupostos teóricos e jurídicos da descentralização municipal e paroquial (freguesias), neles incluídas as formas de autonomia e as formas de descentralização (cf. Secções 2 e 4).
É tempo de concretizarmos nos municípios e nas freguesias a realização destas duas categorias jurídicas bem como as atribuições e competências que lhes estão consignadas.
Tanto aos municípios como às freguesias foi atribuído o terceiro grau de autonomia, a autonomia política (os dois primeiros são a constitucional, para o Estado, e a legislativa, para as regiões autónomas, cf. Secção 2), apenas limitada pelos meios financeiros ao dispor e pelos princípios constitucionais e jurídicos que enformam a organização do Estado nas suas relações com a Sociedade Civil e com a Administração Pública.
A autonomia política significa ter a possibilidade de estabelecer os seus próprios objectivos de longo, de médio e de curto prazos, dentro do quadro legal de atribuições e competências, no âmbito dos contratos-programa disponibilizados pelos governos e dentro dos recursos ao dispor. Esta autonomia traz sempre consigo, para as autarquias, as formas de autonomia instrumentais: a administrativa, a financeira, a patrimonial, a científica/técnica e a organizacional (ciclo da direcção, da gestão, da avaliação e do controlo).
As atribuições das câmaras municipais e das freguesias ampliaram-se muito desde 1976 (Decreto-Lei 701-A/76) e 1977 (Lei 79/77) e, hoje, já quase não há área social em que não intervenham embora em escala e profundidade variáveis, com excepção das da justiça, da segurança interna, da macrofinanceira, da monetária e das relações internacionais.
Segundo a Lei 159/99, repetida pela Lei 75/2013, «Os municípios dispõem de atribuições nos seguintes domínios: a) Equipamento rural e urbano; b) Energia; c) Transportes e comunicações; d) Educação; e) Património, cultura e ciência; f) Tempos livres e desporto; g) Saúde; h) Acção social; i) Habitação; j) Protecção civil; l) Ambiente e saneamento básico; m) Defesa do consumidor; n) Promoção do desenvolvimento; o) Ordenamento do território e urbanismo; p) Polícia municipal; q) Cooperação externa. Acrescem ainda outras atribuições, dispersas em vários diplomas legais, inclusive diplomas de terceira ordem: portarias e despachos.
 
Já «As freguesias dispõem de atribuições (…) nos seguintes domínios: a) Equipamento rural e urbano; b) Abastecimento público; c) Educação; d) Cultura, tempos livres e desporto; e) Cuidados primários de saúde; f) Ação social; g) Proteção civil; h) Ambiente e salubridade; i) Desenvolvimento; j) Ordenamento urbano e rural; k) Proteção da comunidade.» (Leis 159/99 e 75/2013). Porém, a dependência das freguesias em relação à respectiva Câmara Municipal é um obstáculo sério ao exercício das competências apesar de já haver várias áreas de candidaturas próprias e de contratos-programas.
Pela primeira vez, em 1999, igualmente repetidas em 2013 (Leis 159/99 e 75/2013), as competências das autarquias locais são especificadas em termos de ciclo administrativo/organizacional: políticas, administração, gestão, avaliação e controlo, sendo consignadas as seguintes: «a) Consultiva; b) De planeamento; c) De gestão; d) De investimento; e) De fiscalização; f) De licenciamento.». Mas há que acrescentar porque implícitas: g) de regulamentação; h) de definição política e estratégica; i) de controlo político e organizacional; j) de regulação; k) de gestão financeira (criação de taxas e tarifas); l) de dinamização da informação e da participação dos cidadãos.
Na próxima secção, a sexta, analisaremos a proposta do XXI Governo Constitucional de mais atribuições para municípios e freguesias.
 
6. Novas atribuições e novas competências a transferir – apreciação geral
 
No dia 16 de Fevereiro de 2017, o XXI Governo Constitucional colocou em agenda a ampliação das atribuições e competências municipais e paroquiais pela aprovação de uma Proposta de Lei (PL) a enviar à Assembleia da República (AR), com base num documento que aprovou em 21 de julho de 2016, o documento orientador “Descentralização - Aprofundar a Democracia Local”.
Tal Proposta de Lei nº 62/XIII fica acessível online anexa a este artigo, na sua versão em suporte informático, no sítio “Opinião – Henrique Ferreira” de Mensageiro de Bragança, assim como o texto do comunicado do Conselho de Ministros, da mesma data.
O Governo, na voz do Ministro Eduardo Cabrita, disse querer que as autarquias fiquem responsáveis por 19% das atribuições e competências da Administração Pública. E também que os dirigentes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto sejam eleitos indirectamente pelos respectivos autarcas, ampliando-lhes as competências. Do mesmo modo, dar mais atribuições e competências próprias às freguesias e tornar mais eficazes os contratos interadministrativos de delegação de competências das câmaras municipais para as freguesias.
Não se conhece ainda os termos nem da Lei nem dos Decretos-Lei necessários. Por isso, também não sei se se trata de delegação, de contratualização ou de descentralização de atribuições e competências mas são as três possíveis face ao escrito no preâmbulo da PL: «A concretização dos termos em que se processará a transferência das competências carecerá de decretos-lei setoriais, os quais, para além de preverem os recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários para o exercício das mesmas, deverão prever, quando necessário, um período transitório de aplicação para que a transferência de poderes entre os organismos envolvidos se opere sem afetar a eficiência e eficácia pretendidas.».
Em termos de significado, a delegação é sempre temporária e pode ser retirada a qualquer momento, sendo imprópria para a descentralização.
A contratualização tem horizonte temporal definido, impõe condições recíprocas que, não cumpridas por qualquer das partes, pode levar ao rompimento do contrato pela outra. Tem antecedentes na área da educação, através da transferência por contratos de execução (DL 144/2008 e sucedâneos) e através da transferência por celebração dos contratos interadministrativos de delegação de competências (DL 30/2015 e sucedâneos).
A descentralização é unívoca, do Estado para as autarquias, definitiva porque não pode ser retirada, e universal, no sentido em que é igual para todas elas, o que é inapropriado face à desigualdade das diferentes tecnoestruturas e é próprio da administração burocrática.
As transferências ocorrerão em três níveis: municipal, intermunicipal e paroquial e estão descritas na PL: nos artigos 11 a 28 para o nível municipal, 30 a 37 para o nível intermunicipal, 29, 38 e 39 para o nível das freguesias. No nível municipal, ocorrerão em 18 áreas e, conforme se indica para cada área, constituem competências ou de planeamento e gestão (A) ou de participação (B) ou de consulta (C). Realce para o facto de a PL criar oito novas áreas de atribuições das autarquias locais a acrescentar às já 21 existentes (cf. nº 5): saúde hospitalar e pública; praias fluviais, marítimas e lacustres; património privado e público; áreas portuário-marítimas; cadastro rústico e gestão florestal; segurança alimentar, modalidades afins de jogos de fortuna e azar.
Para os leitores que não têm acesso à internet, elencaremos uma síntese das atribuições e competências a transferir no próximo número, o sétimo e, com ele, terminaremos esta temática.
 

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