A opinião de ...

Nós, a Felicidade e o Silêncio

Voltei aos Diálogos do filósofo romano Séneca (é salutar revisitar alguns clássicos para verificarmos se evoluímos tanto quanto se afirma ou, porventura, se retrocedemos civilizacionalmente). Ao Diálogo “Da Vida Feliz”, de que lembro o seguinte excerto: «O supremo bem é uma força invencível do espírito, conhecedora por experiência, serena nas ações, dotada de grande humanidade, e preocupada com o que com ela [a força] convive…o homem feliz deveria ser cultor da honestidade e viver tranquilo com a virtude…».
Em que medida estamos nós, cidadãos, no caminho simples da felicidade, carregada de harmonia e da prática do bem, conforme ensinava Aristóteles?
Olhemos à nossa volta: o que buscamos com as guerras imensamente “trabalhadas” pela mídia, o que tentamos encontrar na vida quotidiana – já de si breve, tornando-a mais breve ainda, empobrecendo-a, ora com a ganância, ora com a inveja, ora com o ódio? Andamos a ouvir falar permanentemente de guerra (até um homem que fez obra de conforto durante a pandemia – Gouveia e Melo – parece ter-se esquecido, esgrimindo, agora, palavras sobre guerra, sobretudo o princípio nelas implícito: se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, nós vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa, que é a nossa casa comum”- um claro apoio à guerra, quando ele deveria afirmar, que temos de ser empreendedores da paz…Somos, assim, bombardeados pela necessidade de fazer a guerra. Parecendo nada temer, mantemo-nos num silêncio que queima, que fere, e que, sobretudo, nos torna cúmplices dos senhores da guerra, esquecendo aqueles que mais sofrem: as mulheres e as crianças, vítimas de ódios, somente explicáveis pela mesquinhez individualista do Homem. Silêncio, quase absoluto. Seja sobre a Ucrânia, seja sobre Gaza, seja sobre paragens mais longínquas deste planeta de loucos, somos conduzidos pela mão de quem domina a informação, de quem detém o poder financeiro, colocando-nos próximos do silêncio radical, com consequências drásticas para o futuro, e, ai de nós!, a perda total da felicidade.
Mais adiante, Séneca recorda que se apodera nós um certo ódio humano pelo facto de tais senhores da guerra (e das finanças) se cobrirem de proveitos e de prazeres mundanos, convertidos, na prática, num tão grande número de crimes vantajosos deixando o nosso espírito perturbado. No entanto, mantemo-nos ligados ao supérfluo, ao superficial, cabeça debaixo da areia, incapazes de refletir e de emitir as nossas opiniões. É o receio de sermos apontados pelas nossas ideias, é o medo de nos retaliarem por pensarmos diferentemente. É a angústia de não tentarmos inverter o curso da História. Mais, o que é pernicioso: cada um de nós, sendo corresponsável pelo que se passa à nossa volta, não agindo ou voltando a cara para o lado, transfere a responsabilidade para outros, afirmando frequentemente: “eles [os outros] é que têm a culpa”. Ora, Séneca e outros filósofos exortam-nos à reflexão, à ação, não à apatia, não ao desânimo.

Edição
3989

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