A opinião de ...

«De Caritas» (Acerca da caridade [do amor])

Depois de simples e breves reflexões sobre as duas virtudes teologais – fé e esperança – é chegada a hora de re-olhar para e acerca da caridade, ou seja, o amor. O amor – “caritas” – é, no entender do Papa Bento XVI, «uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometer-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem origem em Deus […]. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos seres humanos; é a sua promessa e a sua esperança» (Caritas in veritate, 2).
Amor “ágape” – amor total – abre-nos à eternidade e a Deus. Uma abertura que nasce na e a partir da alma (a este propósito vale a pena ler o livro “Escatologia. A morte y la vida eterna” de J. Ratzinger), e que pode ser, por exemplo, abertura aos outros no amor. O homem, como vemos na antropologia filosófica de Max Scheler (bem como em Husserl ou em Heidegger), é por natureza um ser aberto, uma abertura que radica de uma individualidade latente e subjacente, o que proporciona uma vocação individual. É tudo individual. E é precisamente aqui que reside a grande boa-nova cristã: o “ágape” é a descoberta do outro que, superando o carácter egoísta e individual subjacentes, abre-nos para fora de nós mesmos, logo para a transcendência. As Encíclicas “Deus caritas est” e “Caritas in veritate” de Bento XVI conduzem-nos de imediato para a alteridade transcendental, para o princípio fundante do amor.
O Deus-amor joanino (cf. Jo 4, 16) é a base e fundamento do amor cristão e, consequentemente, da vocação e da missão da Igreja e de todos os baptizados. É este amor que nos torna interlocutores com a transcendência e com os nossos pares.  O amor é gerador de comunicação, logo de relação; e a relação pressupõe diálogo (“dia-logos”, duas palavras, dois entes, dois seres); e diálogo imprime reconhecimento (reconhecimento do outro como um outro eu); e reconhecimento implica partilha e doação. A Encarnação é o corolário deste mesmo silogismo: o amor de Deus só é reconhecível quando é entendível, quando gera comunicação e diálogo. Por isso, o “Verbum Dei” (a Palavra de Deus) faz-se carne, materializa-se na linguagem e na corporeidade humanas. Deus “desce” da sua infinita transcendência e coloca-se no horizonte do nosso olhar, na paridade da nossa existência, para que, assim, possa ser definitivamente compreendido, percecionado, vivido e amado.
 
Compreendemos, portanto, que o mistério da Ascensão é, nada mais do que, a assunção definitiva do tu na sua inata abertura à transcendência. É a elevação de nós mesmo: o reconhecimento de que somos profundamente amados e especiais; de que somos dom e graça; de que somos sujeitos e agentes da paz, do perdão e da caridade. O Papa Bento XVI resume na perfeição isto mesmo: «a caridade é o amor recebido e dado; é “graça” (“cháris”). A sua nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor que, pelo Filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo [cf. Jo 13, 1], é «derramado em nossos corações pelo Espírito Santo» [Rm 5, 5]. Destinatários do amor de Deus, os homens são constituídos sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos instrumentos da graça, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade».  (Caritas in veritate, 5)
Sintetizo com a sapiência de Santo Agostinho –  o grande Doutor da Igreja – na sua obra “De Trinitate” (Tomo VIII, 8, 12): «Consequentemente, quando amamos o irmão em caridade, amamos o irmão em Deus; e é impossível não amar o amor que nos impele ao amor do irmão. Daí se segue que aqueles dois preceitos nunca existem um sem o outro. Se “Deus é amor”, certamente ama Deus aquele que ama a caridade; e é necessário que ame o irmão aquele que ama o amor. Por isso, o Apóstolo [São Paulo] acrescenta: “não pode amar a Deus, a quem não vê, aquele que não ama o irmão, a quem vê (1 Jo 4, 4-8.20). E a razão de não ver a Deus, é não amar o irmão. Quem não ama o seu irmão, não está em caridade [em amor], e quem não está em caridade, não está em Deus, porque Deus é amor».

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