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Bragança – «CÉDULA DE BAPTISMO»

Anotámos, em texto anterior, que Bragança, enquanto localização no sítio do castelo, nasce em 1130 com Fernão Mendes, no tempo de D. Afonso Henriques. Já a sua «Certidão de Batismo» foi passada em junho de 1187, através da Carta de Foral determinada por D. Sancho I. Estamos perante o primeiro foral atribuído a uma vila em Trás-os-Montes, cujo objetivo era, por um lado, a defesa territorial mediante a obrigação dos residentes em pegar em armas e, por outro, o seu povoamento, através da concessão de direitos e privilégios e de isenções fiscais, militares e judiciais. Para o efeito, antecipou-se uma Carta de Escambo (troca direta) entre o rei e os abades de Castro de Avelãs, de forma a confirmar a cedência pelo mosteiro da quinta de Benquerença, em troca de São Julião e da igreja de Vilar de São Mamede, ficando isentas do pagamento de portagens. Curiosamente, no texto do Foral são utilizados indistintamente os termos ciuitate (cidade) e uilla (vila) e a designação Bragancia ou Bragantia.
O monarca, como sinal de posse, deslocou-se a Bragança, preocupou-se com o melhoramento e robustez das muralhas e mandou colocar marcos identificativos nos limites portugueses na fronteira. A urbe tornava-se, assim, «cabeça» de uma considerável unidade territorial, que compreendia as terras de Bragança (atuais concelhos de Bragança, Macedo e Vinhais) e de Lampaças (parte Sul do atual extremo nordeste transmontano até Freixo). A política régia de D. Sancho I, O Povoador, difere da de D. Afonso Henriques, O Conquistador, pois enquanto este centrou o reinado na afirmação da soberania portuguesa face aos vizinhos hispânicos e na guerra de conquista face aos mouros, aquele orientou-o para a defesa territorial e sustentabilidade demográfica. Assim, se D. Afonso Henriques se preocupou em garantir a disponibilidade dos diversos estratos sociais concelhios para o apoiarem na guerra, a troco de concessão de áreas territoriais a eclesiásticos (cartas de Couto) e a senhores nobiliárquicos, D. Sancho decidiu-se pelo controlo político e territorial através das cartas de foral. Situação notória nas sensíveis zonas de fronteira, que tornou dependentes da coroa. Não por acaso, muitos dos forais que concedeu foram a povoados de Trás-os-Montes e Beiras, onde ergueu uma considerável malha de fortificações, merecendo destaque Bragança e a Guarda.
Foi entre 1197 e 1199 que essa necessidade se tornou mais premente, quando Portugal e Leão trocaram argumentos militares junto às localidades de fronteira. D. Sancho invadiu a Galiza e ocupou Tui, Alfonso IX atacou na fronteira Nordeste portuguesa, cercou Outeiro, ocupou Algoso e cercou Bragança. Tratou-se da primeira prova de capacidade para Bragança, que não só resistiu ao cerco, como o repeliu, obrigando os leoneses a retirar. No reinado seguinte, os maiores problemas acontecem no âmbito da família real. Quando D. Afonso II (O Gordo, 1211-1223) sucede a D. Sancho I, decidiu centralizar o poder, retirando privilégios à nobreza e ao clero, e anulou a concessão de terras e castelos doados pelo pai às irmãs Teresa e Sancha, originando a denominada questão das infantas. Foi o suficiente para estas, apoiadas por nobres despeitados, solicitarem auxílio a Afonso IX de Leão, que atacou no Minho e em Trás-os-Montes, devastou o território por onde passou e ocupou um conjunto de castelos. Em Trás-os-Montes anotam-se Montenegro, Chaves, Vinhais, Balsemão, Freixo, Urrós, Mós, Picote e Miranda. Uma década decorrida, entre 1220-1223, foi Martim Sanches, meio-irmão do rei e fronteiro da Galiza ao serviço de Leão, quem levou a guerra a Trás-os-Montes, onde ocupou Chaves, só restituída no reinado seguinte, em 1231.
Em todo este contexto, Bragança manteve-se incólume, a que não será alheio o facto de a vila se manter fiel à coroa, ser estrategicamente dominante e relativamente inexpugnável. Pelo facto, em 1219 D. Afonso II confirmou o Foral concedido pelo pai. Bragança fazia o seu caminho no contexto da afirmação da dinastia henriquina!

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