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Crianças hoje: sem solução à vista, a mesma questão de sempre

Mal refeito da emoção, volto à morte trágica do Rayan, o menino que um acidente, perfeitamente evitável, precipitou no fundo dum poço, de acesso quase impossível, com mais de trinta metros de profundidade.
Passaram poucos dias e, não obstante a enorme cobertura mediática que lhe foi dada durante o terror e a agonia que o menino sofreu sozinho durante a tentativa inglória para o resgatar com vida das entranhas negras e traiçoeiras da terra em que caíra, e… já parece que nada aconteceu.
Não restam dúvidas de que para todas as pessoas envolvidas na gigantesca missão de salvar o menino, aquela criança era mesmo a coisa mais importante à face da terra. Mas haver tanta gente que apareceu apenas para “assistir ao espetáculo”, e teve a lata de dizer que estava ali por solidariedade porque “as crianças são o melhor do mundo”, isto, meus senhores, chama-se cinismo e hipocrisia.
Dúvidas? Só para quem for cego, e ainda não se tinha feito o luto, e já muitos dos que choraram lágrimas de crocodilo, segundo as manchetes da comunicação social, rapidamente esqueceram tudo e voltaram a brindar-nos com as mesmas futilidades de sempre. Se não vejamos:
“Governo escondeu seca durante as eleições”; “O plano de Moniz para tirar a liderança à SIC”; “O Supremo confirma pena de 30 420 euros a cirurgião dos famosos por cirurgia para aumentar o pénis que correu mal”; “Jovem era viciado em vídeos de massacres nas escolas”; “Todos (os putativos ministeriáveis), à espera que o seu telemóvel toque”; “ PJ investiga malas de dinheiro do Benfica no caso Saco Azul” “Sabe qual é o peso ideal do seu cão?”; “Santos Silva quer ser Presidente da Assembleia da República”; “Planeia matança para vingar batota”; “Puritanos do Chega em negócios de sexo”; “A gente do Costa”; “Luxo na melhor neve dos Alpes”;
Enquanto isto, milhões de crianças:
- São diariamente descartadas ainda antes de desabrocharem para a vida;
- Procuram matar a fome vasculhando o lixo e repartindo entre si os desperdícios de festas e jantaradas que são uma ofensa à pobreza;
- Quantas vezes com a colaboração dos pais, são aliciadas, traficadas, alugadas, trocadas, compradas, escravizada, lançadas nas redes de prostituição infantil e de mendicidade nas ruas das grandes cidades por redes criminosas que, quando não vêm satisfeita a sua ganância insaciável, sem dó nem piedade, as abandonam entregues a si próprias, vítimas indefesas da ignorância e da miséria para onde as arrastaram;
- Sem tempo para ir à escola, para brincar e serem crianças felizes, caem nas mãos de grupos terroristas que fazem delas “carne para canhão” e as atiram para a morte certa em todo o tipo de guerras e de sabotagens.
Nascida da dor e da sorte destas crianças, para todos os responsáveis pela sua desgraça, fica a mesma questão de sempre gritando por resposta:
“E nós, somos o pior do mundo”?

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