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A beleza de Ana e a calçada do Castelo

Estava uma tarde de sol primaveril. Ana (nome fictício) resolveu homenagear a Primavera vestindo-se de roupas elegantes e curtas expondo o seu corpo harmoniosamente torneado aos olhares que a natureza dotou de energia para perpetuar a vida. Ana passava e os olhos dos possíveis faunos seguiam-na, divididos entre a contemplação estética e a força de Eros e de Vénus, enquanto outras deusas da feminilidade revelavam olhares de ciúme face ao esplendor de Ana.
Decidiu deslocar-se de Vinhais a Bragança porque queria ver o Castelo que nunca tinha visto. Passeou a pé, desde a Praça da Sé, nuns sapatos de salto alto que fazem as deusas elegantes mas comprometem a sua resistência e agilidade futura. Iniciou a subida a partir do Largo dos Combatentes da Grande Guerra (vulgo Largo do Principal). Reparou então que tinha cometido o erro de não trazer sapatilhas. A calçada, irregular, traiçoeira e esburacada, embora ali colocada na intenção de reconstituir a história (não sabemos se real se imaginada) oferece um desafio enorme aos caminhantes desprevenidos e distraídos pelo pólen do amor.
Apesar de bela, aquela calçada é rude, rugosa, desnivelada, esburacada, a precisar de um arranjo urgente. Não é caminho para uma jovem a semear hormonas de feminilidade.
A meio da subida, o inevitável aconteceu: Ana desequilibrou-se e caiu, estatelando-se no chão. Os faunos acorreram, tomaram-ma em braços, protegeram-na como se fosse deles. Ana, apesar de ferida e dorida, não deu parte de fraca, não fosse ela transmontana e de Vinhais. Queria sentir e cheirar a história, agradeceu a ajuda e, a coxear, prosseguiu, agora descalça, pensando para com os seus botões: «Que estúpida que sou: história é história e eles, muito provavelmente, andavam descalços, pelo menos os pobres». E lá foi, mergulhada nos sinais do passado, nas agruras do presente e nos sonhos do futuro.
Ela que a natureza dotou de Atena, começou por entrar na Fundação «Os Nossos Livros», perguntou por coisas da sua terra e, depois, prosseguiu, tirando uma selfie com o Duque de Bragança e idealizando aquela história da Torre da Princesa. Ao entrar no Castelo, reparou que há ali muito desleixo para com a preservação do património e que aquela jóia de Trás-os-Montes podia estar muito mais bem preservada. Começou por sentir a ausência de uma guia de visita, de uma indicação de casas de banho pois precisava de tratar das dores e alindar o que a calçada havia desorganizado no seu vestuário e no seu corpo.
Felizmente, encontrou o café, em Frente à Igreja de Santa Maria. Arranjou-se e decidiu contemplar a cidade a partir do Miradouro, ao lado. Sentiu mais uma mágoa: «esta gente preserva pouco o que tem, esta parte da cidade devia estar mais arranjada. Tudo parece desmazelado, desde a calçada aos sinais da história.». Ficou horrorizada quando viu a ETAR do outro lado, o nascente, e perguntou-se: «como é possível

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