A opinião de ...

Em memória de José Veiga Simão

Aos 85 anos, morreu José Veiga Simão, vítima de doença cancerígena. Seria profundamente injusto para a história portuguesa dos últimos 44 anos não evocar a sua memória, a sua personalidade e a sua obra. Por isso, o fazemos embora saibamos que ficaremos muito longe de conseguir exprimir a grandeza da sua obra.
Veiga Simão será uma daquelas personalidades que os três tempos políticos em que foi protagonista (marcelismo, 1970-74; PREC, 1974-75; e democracia representativa (1976-2014) não deixaram brilhar. No marcelismo porque não podia ultrapassar o regime político; no PREC, porque vinha do antigo regime; na democracia, porque era olhado com desconfiança. No entanto, Veiga Simão terá sido uma das personalidades e mentes mais brilhantes dos nossos últimos 50 anos.
Era licenciado em Ciências Físico-Químicas e doutor em Física Nuclear pela Universidade de Cambridge. Aos 31 anos, era professor catedrático da Universidade de Coimbra e, em 1966, foi fundar a Universidade de Lourenço Marques (actual universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique). O seu brilhantismo levou Marcelo Caetano a convidá-lo para substituir José Hermano Saraiva na pasta de ministro da Educação Nacional.
Foi nesta qualidade que Veiga Simão mais se notabilizou ao operar a reforma da Administração do Sistema Educativo, primeiro (1971), do Sistema Educativo não superior, em segundo lugar (1972 e 1973), e do Sistema Educativo Superior, por fim (1973). As suas ideias, plasmadas na quarta Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 5/73), marcaram todo o período da construção democrática da educação e, mesmo a quinta Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, sofreu muitas influências daquela.
Importa sublinhar a criação da educação de infância, do ensino básico até ao oitavo ano, o lançamento da unificação do ensino até ao mesmo ano, que o II Governo Constitucional (1978) estenderia até ao nono, da educação permanente, da educação especial, e a aprovação da lei-quadro para a criação dos institutos politécnicos e das universidades novas, com criação efectiva dos institutos de Trás-os-Montes, Beira Interior e Algarve, e das universidades de Alentejo, Aveiro, Minho, Técnica, de Lisboa e Nova, também de Lisboa.
Além disso, impôs a introdução da democratização do ensino, primeiro pela igualdade de oportunidades para a frequência escolar e pela criação da Ação Social Escolar e, depois, pela proposta de mudança das práticas educativas, conducentes à diferenciação dos métodos e processos de ensino, no sentido de todos beneficiarem da educação.
Veiga Simão foi muito avançado para o tempo mas não podia romper com o regime e, por isso, uma das suas falhas é a não democratização da gestão das escolas. A outra foi tentar compatibilizar uma educação para todos com a cultura e com a selectividade baseadas exclusivamente no mérito académico, inviabilizando o pluralismo possível de escolhas de vias vocacionais diferenciadas. A exaltação do Ciclo Preparatório como via a privilegiar é um exemplo disto.
Dos poucos contactos que tive com ele, devo-lhe o conceito de «escrever à prova de professor do ensino superior» para que os outros possam ter uma leitura clara e unívoca do que escrevemos.
Paz à sua alma e honra à sua obra.

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3472

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