A opinião de ...

Sentido de Estado (ou a falta dele)

Diga, Nuno Melo o que disser, quando frente aos microfones da televisão associou os participantes portugueses na Flotilha Humanitária para Gaza, a um apoio ao Hamas, os telespetadores viram e ouviram o Ministro da Defesa de Portugal a fornecer a um Estado estrangeiro, argumentos que podem ser usados em prejuízo de cidadãos nacionais. E isso é de uma gravidade enorme, no meu modesto entender, muito maior que a autorização de aterragem de três caças americanos, na Base das Lages, a caminho de Israel. Perante o natural coro de críticas veio, depois, o governante explicar que as declarações foram feitas na qualidade de presidente do CDS e o partido, muito embora faça parte de uma aliança governamental tem personalidade própria e direito a expressar as suas próprias convicções.
Ora isto não passa de uma falácia.
A existência do CDS sendo uma evidência, inquestionável, a sua relevância, ninguém o pode ignorar, está umbilicalmente relacionada com a sua participação no governo da República. E, por arrasto, a notoriedade do seu presidente. E a qualidade em que se apresenta a todos os espetadores (a referência a todos é relevante, como a seguir explicarei). Não sei se as reportagens foram simultâneas, sucessivas ou separadas de algum tempo, mas quer a indumentária, quer a pose, quer a própria circunspeção e fraseologia com que o ministro Nuno Melo se referiu quer às supostas ligações de Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves ao movimento terrorista Hamas, foram, sem diferenças percetíveis, as mesmas com que entalou o seu colega de Governo, Paulo Rangel, no caso dos caças F-35, a caminho de Israel. E se tal é verdade para qualquer cidadão nacional, imagine-se para um cidadão estrangeiro, muito mais para qualquer responsável de um governo a quem tudo serve na sua sanha imparável de atacar, prejudicar, prender, acusar, destruir e até eliminar tudo quanto lhe possa parecer que possa opor-se à sanguinária investida contra o povo palestiniano!
Se o CDS não estivesse no governo, usando o critério jornalístico da relevância, as declarações do seu presidente teriam a mesma divulgação que as dos seus congéneres que em 2022 (últimas eleições em que o PP concorreu sozinho) não conseguiram eleger qualquer deputado para o Parlamento Nacional.
Condescendamos. Aceitemos que o partido do Centro Democrático Social tem hoje uma relevância próxima da sua representação parlamentar e que tem razões para associar o quarteto lusitano que participou na Flotilha Humanitária ao grupo de guerrilheiro do Médio Oriente. Pois bem, tendo-as, deveria mostrá-las. Mas, nesse caso, mesmo assim, querendo marcar a sua posição de forma autónoma relativamente ao Governo de que faz parta… deveria escolher outro dirigente (será que as dissensões são tantas e tão relevantes que já não restam quadros credíveis, no partido?) e, sobretudo, por questões de mera solidariedade nacional, numa outra altura qualquer, mas nunca no exato momento em que alguns concidadãos acabavam de ser presos em condições ainda por aclarar.
Por maiores que sejam as razões, pessoais, de grupo ou de política interna, num Ministro (qualquer um, mas principalmente o da Defesa) não podem sobrepor-se aos interesses nacionais, ao sentido de Estado.

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4058

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