A opinião de ...

Opiniões e desigualdades

Numa das suas tiradas célebres, o escritor José Saramago referiu que “o drama não é que as pessoas tenham opiniões, mas sim que as tenham sem saberem do que falam”.
Fazia, assim, eco da ideia que o filósofo Ortega y Gasset já havia deixado no seu famoso livro “A Rebelião das Massas”, de que, hoje em dia, qualquer pessoa (o homem-massa) não escuta nada, mas sente-se em posição de opinar sobre tudo.

Estas ideias são um repto a todo o cronista, incitando o mesmo a documentar-se para falar dos assuntos sobre os quais pretende emitir opinião.

Vem isto a propósito porque no mais recente Boletim Económico do Banco de Portugal, disponível em https://www.bportugal.pt, se inclui um capítulo intitulado “A transmissão intergeracional da educação em Portugal”, no qual se analisa até que ponto as qualificações dos pais condicionam a obtenção de qualificações pelos seus descendentes, ou seja, em que grau existiu uma transmissão intergeracional da educação.

Para isso, no módulo ad hoc do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) de 2019, integrado no EU Statistics on Income and Living Conditions (EU-SILC) do Eurostat (INE, 2019, e Eurostat, 2019), cada membro dos agregados familiares com 25 a 59 anos foi inquirido sobre as suas circunstâncias familiares quando tinha 14 anos, como se refere naquele boletim. Na amostra portuguesa, cerca de 15 000 indivíduos foram inquiridos, sendo os resultados extrapolados para a população através de ponderadores individuais.

Por um lado, como um dado positivo, os dados confirmam a forte transição educativa em Portugal, com um forte aumento das qualificações. Em 2020, 79% dos indivíduos com 25 a 34 anos tinham completado pelo menos o ensino secundário, o que contrasta com apenas 35,1% na geração com idades entre 55 e 64 anos (84,1% e 68,4%, respetivamente, na área do euro). Cerca de 42% dos indivíduos entre 25 e 34 anos tinham um grau de qualificação superior, o que compara com 16,9% nos indivíduos entre 55 e 64 anos (41,5% e 25% na área do euro).

Porém, o papel da educação dos pais na obtenção de graus de qualificação superiores também surge evidente. A grande maioria dos indivíduos cujos pais tinham o ensino superior também completaram o ensino superior (73,2%). Esta percentagem é maior nas mulheres (80,5%). No caso dos pais com um máximo de educação até ao 9.º ano, uma percentagem significativa dos filhos também não ultrapassou o 9.º ano (55,9%). Esta percentagem é maior no caso dos homens (61,2%).

A evidência de transmissão intergeracional persiste nas gerações mais novas, embora em menor medida. Nos indivíduos com idade entre 25 e 34 anos e em que os pais atingiram no máximo o 9.º ano, 39% também não conseguiram superar essa escolaridade. Por seu turno, cerca de 75% daqueles cujos pais alcançaram o ensino superior também atingiram esse nível de escolaridade. Nos indivíduos com idade entre 45 e 59 anos, aquelas percentagens ascendiam a 67% e 70% respetivamente.

Um dos fatores que medeia a transmissão intergeracional da educação é a capacidade das famílias financiarem os estudos dos jovens. Com efeito, mediante as respostas à questão da situação financeira da família quando os inquiridos tinham 14 anos, verificou-se uma associação positiva entre a educação dos pais e a situação financeira quando os respondentes eram jovens. Das famílias em que os pais tinham educação até ao 9º ano, cerca de 36% dos inquiridos reportaram terem vivido numa situação financeira má. Das famílias em que os pais tinham educação superior, apenas 6% dos inquiridos reportaram uma situação financeira má.

Aliás, por comparação com outros países da Zona Euro, Portugal é um dos países em que o impacto da baixa escolaridade dos pais e da situação financeira sobre os percursos escolares é mais acentuado.

Em conclusão, como resulta do citado boletim económico, a transmissão intergeracional da educação, reforçada pela interação com a situação financeira das famílias, tem implicações importantes nos percursos educativos, na inclusão social e no potencial de crescimento económico. Esta evidência reforça a importância de compreender os mecanismos de transmissão intergeracional da educação, de modo a desenhar políticas públicas que potenciem as oportunidades para todos.
Face ao exposto, é importante ter em conta estes dados da próxima vez que se ler ou ouvir alguém a defender as virtudes da chamada “meritocracia”, conceito que o filósofo norte-americano Michael J. Sandel veio, aliás, desmontar no seu recente livro “A Tirania do Mérito”.

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3885

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