A opinião de ...

Regresso ao trabalho

Com a chegada do mês de setembro sobrevem também o final das férias para a maioria da população ativa. Para trás fica um tempo de passeio, praia, turismo, lazer e convívios familiares ou festivos, consoante os casos.
Contudo, para além da sensação leve e luminosa dessas vivências, o verão ficou marcado por situações bem mais pesadas e escuras, como foi o caso dos incêndios florestais, da escassez de água, da crise no setor da Saúde e da inflação associada ao prolongamento da guerra na Ucrânia. Desse ponto de vista, o período das férias foi simultaneamente um período de evasão e o prelúdio dos tempos difíceis que se avizinham.
No que respeita aos incêndios, regista-se que, pese embora a sua dimensão e ferocidade, foi possível evitar males maiores no que respeita à perda de vidas humanas, havendo, ainda assim, a lamentar a morte de três pessoas, duas delas em Murça, colhidas pelo fogo quando procuravam fugir do mesmo, e a terceira um bombeiro em exercício de funções.
Ainda assim, parece evidente que o dispositivo de combate aos incêndios tem vindo a melhorar de ano para ano, mas também que o mesmo é insuficiente para obstar à devastação causada pelo fogo face às novas condições climáticas, que conjugam calor prolongado e vento forte.
Por outro lado, considerando o elevado número de incendiários detidos e a fundada suspeita de mão humana na esmagadora maioria das ignições, torna-se necessário traçar o perfil psicossocial destas pessoas para perceber as suas motivações e a sua eventual ligação à “economia do fogo”, para poder combater este flagelo, além de reforçar as medidas preventivas, tanto no que respeita à limpeza e vigilância das florestas como à sua planificação eficaz.
Paralelamente, a seca prolongada veio chamar novamente a atenção para o problema das alterações climáticas, sem que, ainda assim, sejam tomadas medidas suficientemente enérgicas, a nível nacional e internacional, para limitar o seu impacto, designadamente quanto aos recursos hídricos disponíveis, fazendo lembrar o irónico filme “Não olhem para cima”, do realizador Adam McKay.
Neste domínio, é importante realçar que se pode fazer muito mais para limitar o desperdício, quer no que se refere às perdas de água na rede pública quer no que tange à utilização de água potável para a rega.
No caso da Saúde, o período de férias pôs a nu a insuficiência de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde, mas também, em alguns casos, a deficiente gestão dos mesmos pela rede hospitalar. Trata-se de uma situação que resulta, conjugadamente, do subinvestimento no sistema público de saúde, da falta de medidas de retenção de profissionais qualificados no mesmo após a conclusão da sua especialização, do défice na formação de médicos suficientes para compensar o envelhecimento dos quadros e da falta de previsão e adaptação às novas condições concorrenciais do setor, com o crescimento dos grupos privados de saúde, que prosperam também graças a fundos públicos.
Finalmente, a inflação vem colocar um elemento adicional de pressão sobre os cidadãos e as empresas, quer pelo aumento dos preços da energia e dos combustíveis, com o seu efeito dominó, quer pela subida das taxas de juro que a visa conter, sem que o nível dos salários a acompanhe. A inflação resulta mais diretamente da guerra e das sanções económicas recíprocas que lhe estão associadas, embora já se tivesse começado a desenhar durante o período da pandemia. Contudo, apesar do agravamento das condições de vida da maioria da população, a estratégia geral continua a ser a do confronto, elevando a tensão bélica para níveis potencialmente letais para a humanidade.
Neste momento já se percebeu que algo considerado muito valioso deve estar em causa para que as partes beligerantes arrisquem tanto neste jogo de poder. De um lado será talvez o desejo de restauração da grandeza perdida e do outro a conservação da hegemonia mundial. Em qualquer caso, neste jogo de potências, em que se disputa a definição da ordem mundial do futuro, a União Europeia está claramente a perder. Deixou conduzir a sua política externa pelos interesses do seu aliado atlântico e pelos delírios de glória do presidente ucraniano, optando por tentar vergar a Rússia, em vez de ser mediadora ativa no conflito, e está a empobrecer a olhos vistos, como, além do mais, a desvalorização do euro dá conta.
Com este cenário, veremos o que nos reserva o outono. Para já, o desenvolvimento mecânico das condições estabelecidas não augura nada de bom. Esperemos que a humanidade saiba, como já fez noutras ocasiões críticas, encontrar os caminhos da inspiração, abraçando soluções não violentas para os problemas que enfrenta. Para isso, a celebração, a nível local e mundial, do Dia Internacional da Não-Violência, no próximo dia 2 de outubro, será certamente um bom começo.

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3901

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