A opinião de ...

Aquela organização

Era uma vez um grupo de amigos da onça que, como castigo pelos muitos desacatos que haviam provocado, um dia foram obrigados a juntar-se à sombra dum grande caramanchão, com outros que também eram “amigos” entre eles, para ali receberem ensinamentos que os levassem a corrigir os seus graves defeitos. Semanalmente, todos recebiam uma pequena remuneração. E, de ano a ano, havia promoções para quem o mandante que os orientava entendesse, e também conforme os resultados e o interesse manifestado individualmente. Entretanto, aquele retirava, a seu gosto, o chefe de cada grupo para o ajudarem na vigilância, nos trabalhos administrativos e servirem de informadores. Todos se achavam muito inteligentes e amigos de trabalhar: o cavalo, por exemplo, considerava-se o melhor de todos, muito mais do que o burro, (aquele que, pela sua injusta posição na carreira da organização, ganhava menos, chegando até a ser ridicularizado e posto de lado), melhor do que o leão, o macaco, a cobra…e até mesmo a abelha mestra.
Essa atividade estava minuciosamente bem estruturada e, por isso, nesse aspeto, ninguém podia apontar-lhe qualquer falha.
O mandante exercia o cargo a seu belo prazer, dando quase sempre mais atenção aos que nada faziam, mas descendiam de linhagem rica e fidalga, como o cavalo e o leão, segurando assim o seu lugar; ou então a mesma atenção aos que habilidosamente o enganavam, como o macaco; aos que subtilmente o informavam e insidiosamente lhe instilavam veneno, como a cobra; ou àqueles que, com um belo sorriso, lhe elogiavam o porte, como a abelha mestra. Só o burro mostrava ser íntegro, correto e dedicado ao trabalho, sendo, pois, o que trabalhava a sério, e digladiava, ombro a ombro, com o mandante, nas raras intervenções que lhe eram permitidas.
Porém, sabia-se que, por exemplo, os supostos amigos nem sempre estavam de acordo entre eles, nem mesmo de acordo com o mandante, uma vez que havia variadas correntes de opinião relativamente ao método a utilizar para, seguindo os planos, conseguirem bons resultados. Havia uns que pesquisavam pormenorizada e insistentemente, como o burro; e havia outros que aproveitavam o resultado desse esforço para, apoderando-se dele, recolher do mandante subida apreciação. A impressão que este colhia era por ele anotada, servindo de base para um louvor e consequentemente, uma promoção, ignorando quem realmente trabalhava.
E assim iam correndo as coisas, sob uma tão revoltante injustiça!
Um dia, porém, a organização foi investigada; e, no meio de tantos bons resultados produzidos, os investigadores verificaram, cheios de interrogações, que todos eles apresentavam as mesmas caraterísticas na elaboração. E mais: imediatamente lhes saltou à vista este insólito pormenor: cada um dos trabalhos, sendo iguais, eram subscritos por uma assinatura diferente! Colocada tal situação ao mandante, este começou a gaguejar, fazendo entender que tal facto era um pormenor em que não atentara e não sabia explicar. Contudo, logo refeito, perante a surpresa dos investigadores, adotou a atitude mais insólita que poderia ter adotado. Arrogante e inesperadamente, começou a apresentar argumentos para justificar aquele imprevisto percalço.
Começando por dizer que tanto o cavalo como o leão eram herdeiros de famílias muito importantes e, por isso, seria arriscado admoestá-los, prosseguiu afirmando que conhecia bem as manhas do macaco, as quais muitas vezes o inspiravam; que a função da cobra lhe era imprescindível para o colocar a par de quanto se passava naquela organização, ao mesmo tempo que lhe sugeria a melhor forma de atuar com os grupos a seu cargo; e não podia abdicar da abelha mestra, pois, com aquela atitude, o ajudava a conservar a sua autoestima.
Embora perturbados com algumas dúvidas, os investigadores não deixaram de considerar satisfatórias as justificações e, lamentando ter incomodado aquele tão grave mandante, regressaram pelo mesmo caminho que pouco antes haviam percorrido, deixando o burro abandonado à sua sorte.

Edição
3934

Assinaturas MDB