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Educar na era digital: o desafio de não deixar ninguém para trás

Este texto pretende humildemente analisar as oportunidades e os riscos da transição digital no campo educativo, sublinhando que a tecnologia, por si só, não garante inclusão. Apenas quando orientada por critérios éticos e humanistas — como os que defende o Papa Francisco — poderá servir verdadeiramente o bem comum.

De um lado do ecrã, um aluno debate ideias com colegas da Ásia. Do outro, uma criança olha para um computador desligado numa casa sem rede. A sala de aula do século XXI é, cada vez mais, um espelho das desigualdades sociais. De um lado, temos alunos conectados ao mundo, partilhando ideias, projectos e recursos com colegas de outros continentes. Do outro, temos crianças sem acesso à internet, sem dispositivos, silenciadas pela exclusão digital. Entre a promessa de um futuro inovador e o risco de uma nova fronteira de desigualdade, a educação digital interroga-nos: estaremos nós a construir uma escola mais justa ou apenas a pintar de moderno o velho cenário de exclusão?
Bento XVI, muito assertivo e contundente quanto ao papel da educação, referiu, em 2012, que “a educação é a aventura mais fascinante e difícil da vida. Educar – na sua etimologia latina educere – significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa” (Bento XVI, 2012, Número 2). Por outras palavras, educar é um acto de liberdade partilhada, de responsabilidade e de testemunho.
Por isso, no contexto atual, à educação já não se exige somente transmitir o conhecimento. Antes, exige-se que seja capaz de formar cidadãos com espírito crítico neste mundo híbrido, onde o digital e o presencial se entrelaçam. Naturalmente, a essa missão exige muito mais do que infraestrutura: requer visão ética, inclusão real e compromisso social.
Na hodiernidade, os denominados ecossistemas digitais – redes que integram espaços físicos e virtuais de aprendizagem – são apontados como ferramentas para uma educação mais flexível e personalizada. No entanto, essa promessa só se concretiza se houver acesso equitativo para que muitos alunos que continuam de fora, não por falta de motivação, mas por ausência de condições básicas, não se sintam excluídos e impossibilitados de se realizarem, quer na sua individualidade, quer na sua relação com a vida e com o mundo. Aliás, bem sabemos que a exclusão digital é, cada vez mais, também uma nova forma de exclusão cognitiva e social.
Nesse sentido, a educação híbrida, como defendem Moreira e Horta (2020), deve ser mais do que uma combinação técnica de presencial e de online. Deve implicar uma transformação profunda das metodologias, das culturas escolares e da formação docente. Sem esse investimento, o digital corre o risco de reforçar as desigualdades em vez de as corrigir. Compreendemos, pois, que habitar o espaço digital exige mais do que ter o acesso técnico. Habitar o digital não é apenas ter acesso: é saber estar, discernir, criar com sentido. A alfabetização digital tornou-se a nova alfabetização fundamental e deve ser garantida a todos, sem excepção.
Vários países já avançaram com estratégias eficazes: o investimento em redes públicas de acesso à internet, a distribuição massiva de dispositivos a alunos vulneráveis e programas de formação digital de professores deverão ser exemplos a seguir. Portugal, tem dado passos importantes, mas não suficientes: é preciso acelerar e aprofundar esta transição com justiça.
Estou certo que a globalização digital em curso tem potencial para formar cidadãos globais que sejam mais conscientes e informados, mais inclusivos e solidários, mais humanos e humanistas. No entanto, há que reconhecer que pode também excluir silenciosamente os que não dominam as novas linguagens e os novos espaços digitais. Como lembra o Papa Francisco, “não deixemos ninguém para trás” deve ser o critério nortador deste processo de alfabetização e de inclusão. Que não seja apenas retórica, mas que seja verdadeiro compromisso e determinação em ordem a uma educação que forme pessoas felizes e realizadas. Aliás, a educação digital só será verdadeiramente transformadora se for ética, inclusiva e solidária.
E a escolha é nossa: um modelo que abra portas a todos ou um sistema que perpetue desigualdades históricas. Porque o futuro da educação joga-se no presente. As tecnologias podem ser pontes ou muros. Podem abrir horizontes ou fechar caminhos. E a escolha é nossa. Se queremos que a escola seja uma alavanca de justiça social, então é urgente garantir o acesso universal ao conhecimento digital, tanto dentro como fora da sala de aula. E, isso implica: investimento em infraestruturas; capacitação dos docentes; políticas públicas inclusivas; e, uma visão ética da tecnologia ao serviço da pessoa.
A educação, digital ou não, deve ser um direito. Para todos. Hoje e agora.

Bibliografia
Bento XVI, P. (2012). XLV Dia Mundial da Paz 2012, Educar os Jovens para a justiça e a paz. https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/peace/documents…
Moreira, J. A., & Horta, M. J. (2020). Educação e ambientes híbridos de aprendizagem: Um processo de inovação sustentada. Revista UFG, 20. https://doi.org/10.5216/revufg.v20.66027

Edição
4043

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