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Os Funerais do Regicídio!

O Regicídio, delineado por republicanos, maçons e monárquicos dissidentes, apoiados no obscuro braço da Alta Venda carbonária, consumou o assassinato de el-Rei D. Carlos (44 anos) e do Príncipe D. Luís Filipe (20 anos), a 1 de fevereiro de 1908, no Terreiro do Paço em Lisboa. Das quatro entidades régias presentes no landau, a rainha D. Amélia e o infante D. Manuel (atingido num braço) escaparam miraculosamente à pontaria cirúrgica da espingarda de Manuel Buíça e da pistola de Alfredo Costa, à fuzilaria desenfreada do grupo de deceção (chamariz para desviar a atenção das forças da ordem) e da ação do grupo de retirada, responsável pelo apagar de provas testemunhais post morten, ou seja, de Buíça e Costa, mortos no local. Apesar de a família real ter sido sujeita a uma caçada (como motivou previamente Guerra Junqueira) e rei e príncipe terem sido abatidos «sem dó nem piedade» (como não enjeitava Aquilino Ribeiro), o crime não mereceu castigo, a bem da concórdia social, merecendo do rei Eduardo VIII de Inglaterra, amigo de D. Carlos, a exclamação de pasmo: «matam dois cavaleiros da Ordem da Jarreteira na rua como cães e lá no país deles ninguém se importa». Dois anos depois, Portugal escorregava, sem honra nem glória e a partir dos taipais da Rotunda, para uma República anarco-autoritária, com a qual perdeu prestígio e de onde ainda não retirou proveito.
As exéquias fúnebres de D. Carlos e de D. Luís Filipe decorreram a 8 de fevereiro, na igreja de S. Vicente de Fora, ficando os corpos expostos até dia 10. Contaram com a presença de altas individualidades estrangeiras, que assim manifestaram a estima pelo «Rei Diplomata» e o repúdio pelo bárbaro ato, e de muitos populares que permaneceram silenciosos e em boa ordem. Então, os restos morais foram dignamente depositados no Panteão Real com a legenda «Aqui descansam em Deus El-Rei D. Carlos e o Príncipe Real D. Luís Filipe que morreram pela Pátria», onde podem ser homenageados. Para aqui seriam transladados posteriormente os corpos do rei D. Manuel II, após a morte em Inglaterra, em 1932, e da rainha D. Amélia, em França, em 1951.
Entretanto, os corpos dos dois regicidas foram encaminhados a desoras, na madrugada de 11 de fevereiro, para o cemitério do Alto de São João, descendo à terra cerca das 05:30h, o primeiro no coval nº 7749 e o segundo no coval nº 7750. O funeral dos regicidas foi custeado pela «Associação do Registo Civil». Sugestivamente, as campas dos dois regicidas foram sendo cobertas de flores nos dias seguintes e os seus nomes sucessivamente idolatrados, de tal forma que os republicanos fizeram deles heróis mártires, ao ponto de promoverem a construção de um monumento na sua campa, da autoria de Júlio Vaz, onde sobressaem mãos que se erguem em triunfo erguendo a chama da liberdade!
Quem eram estes regicidas? Manuel Buíça, de 32 anos, «o homem da barba preta» que no atentado envergava um varino, matou o rei e o príncipe com tiros de carabina Winchester nas costas e na cara, respetivamente. Era natural de Valpaços, filho de Abílio Buíça, abade de Vinhais, e tinha sido 2.º Sargento de Cavalaria, servindo como instrutor na carreira de tiro de Bragança, sendo expulso do Exército em 1898. Republicano e carbonário, em 1908 era professor do 1.º grau de instrução primária em Lisboa. Alfredo da Costa, de 23 anos, «o homem do estribo», desfechou uma série de tiros de pistola FN-Browning no corpo do rei, do príncipe e no braço do infante. Natural de Castro Verde e caixeiro na capital aquando dos acontecimentos, era republicano, maçom e carbonário. Ambos foram silenciados no local a golpes de sabre da polícia e de chumbo de regicidas do grupo de retirada.
Quanto ao monumento de mau gosto erguido à «glória» de Buíça e Costa, não passou no crivo da decência do Estado Novo pelo que, no tempo de Oliveira Salazar, foi simplesmente demolido e os corpos exumados e mudados de lugar.
Rei, diplomata e constitucional, filantropo, oceanógrafo, pintor e caçador; homem de Estado, D. Carlos foi o político mais digno e patriota do seu tempo.

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