A opinião de ...

A imoralidade de querer lucros à custa da guerra

Há três semanas, o mundo como o conhecíamos sofreu uma reviravolta, pondo fim ao sossego que os europeus conheciam. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia deu origem a uma escalada de preços das matérias primas, com especial incidência nos da energia.
Uma escalada a que se vinha assistindo desde há alguns meses, devido à disrupção causada nas cadeias logísticas e industriais causada pela pandemia.
O mundo inteiro uniu-se na condenação do ataque militar à Ucrânia. Várias das maiores empresas mundiais, bases do sistema capitalista em que assenta a economia mundial, foram céleres a condenar a iniciativa de Putin e a retirar-se da Rússia.
Mas um punhado de empresas viram, aqui, a oportunidade de aumentarem os seus lucros à custa do sofrimento alheio.
Já nem se fala da industria militar e de produção de armas, que vai sair com nova vitalidade deste conflito.
O que se passa com os preços dos combustíveis é especialmente imoral.
Para além da carga tributária associada aos combustíveis, que em Portugal é uma das mais pesadas da Europa, os cidadãos assistiram, consternados, ao aumento recorde que se verificou esta semana.
Ora, a escalada do preço da matéria prima (petróleo) deu-se na semana passada. Sabe-se que as petrolíferas compram o petróleo para refinar com bastante mais antecedência. Mas colocaram já à venda os combustíveis a um preço bastante superior.
Ou seja, os combustíveis vendidos a partir de segunda-feira correspondem a petróleo comprado muito antes, a preços bastante mais baixos, pelo que a subida do petróleo na semana passada não justifica o aumento de preços verificado nas bombas.
A isto acresce o facto de os aumentos terem sido superiores ao anunciado (anunciaram-se aumentos de 14 cêntimos para o gasóleo mas verificou-se um aumento de cerca de 15,5 cêntimos). E explicações, nem vê-las.
Quando se pede união e esforço de toda a população para fazer face à guerra, torna-se particularmente incompreensível que as companhias petrolíferas apostem em amealhar milhões quando tantas outras empresas e cidadãos se esforçam por enfrentar a agressão russa.
Neste contexto, a mera descida do IVA (uma impossibilidade por não haver ainda uma Assembleia da República constituída), antevê-se como apenas mais uma forma de encher os bolsos de uns poucos pois qualquer descida do IVA seria absorvida pelas margens das gasolineiras.
Consequências de uma liberalização de um mercado que, até 2004, era controlado pelo Estado, precisamente para evitar estes dislates.
A invasão russa deixou, também, a nu as fragilidades provocadas pela privatização de setores estratégicos para a economia e para os cidadãos, como os das comunicações ou, especialmente, da energia (com a privatização de toda a rede de abastecimento elétrico à cabeça), como também o seria o da água.
Imagine-se que, em vez de empresas chinesas, tinham sido empresas russas a adquirir EDP, REN ou outras entidades do género.
Seria como entregar o galinheiro à raposa. E já todos sabemos o que isso custa.

Cumprem-se este domingo dois anos desde que a pandemia entrou no distrito de Bragança. Desde então, muitos foram heróis numa batalha sem quartel mas há a lamentar pelo menos 390 vítimas mortais.
Agora, apesar de mais adormecida, a pandemia ainda continua a condicionar os nossos dias. Não convém desarmar quando a vitória está tão perto.

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