A opinião de ...

Porque é que o jornalismo é importante para a comunidade?

“A liberdade de imprensa transmite um oxigénio que dá vida às democracias.”
Rei Filipe VI, de Espanha

Durante anos, especialmente os últimos 12, as condições dos jornais de todo o mundo têm vindo a degradar-se. A concorrência feroz das grandes plataformas digitais (Google e Facebook agregam cerca de 75 por cento de toda a publicidade digital mundial) bem como o engrossar de alternativas à leitura que está à disposição dos mais jovens tem contribuído para o desaparecimento de milhares de títulos um pouco por todo o mundo.
No Nordeste Transmontano, dos quatro jornais que se publicavam no final da década passada (2009), apenas dois sobrevivem, incluindo o Mensageiro de Bragança, que leva 80 anos de publicações ininterruptas.
Mas qual é a real consequência da diminuição da oferta? Haverá algum mal nisso?
Tomemos os EUA como exemplo. Entre 1996 e 2015, 296 jornais desapareceram simplesmente, para além dos que foram comprados, perderam influência, foram fundidos com outros. Comunidades inteiras perderam o único meio de comunicação social que tinham à disposição. Qual foi a consequência? O custo dos serviços públicos subiu 11 pontos percentuais.
De acordo com um estudo coordenado por um professor de finanças da universidade de Notre Dame, Paul Gao, citado pelo Bloomberg CityLab, as cidades cujos jornais encerram viram os custos da sua governança subir como resultado da falta de escrutínio e vigilância sobre os políticos e empresários locais.
“As pessoas e as suas histórias deixam de ter cobertura. Políticos tomam liberdades quando não está ninguém a supervisioná-los. O que o público não sabe acaba por si virar contra si”, defende Kriston Capps, autor do artigo do Bloomberg CityLab.
“Nos três anos que se seguem ao encerramento de um jornal, os custos de financiamento de dívida dos municípios cresceu nessas cidades”, lê-se.
Este é, pelo menos, o dado palpável.
Outra investigadora norte-americana, Penelope Abernathy, conclui que os jornais locais “construíram uma comunidade e também ensinaram o que estava a acontecer na comunidade. Fizeram isso de 3 maneiras:
• Ao comparecer às reuniões do conselho da cidade e do comissário do condado [concelho], identificaram os problemas com os quais as pessoas deveriam preocupar-se, escreveram sobre eles e contextualizaram-nos;
• trouxeram clientes locais para empresas locais por meio da publicidade;
• contextualizaram o que ocorria no outro condado [concelho] que poderia afetar o condado do cidadão local.
“Se você pensa sobre o que realmente alimentou a democracia na sua base, foram as milhares e milhares de comunidades desse enorme país. Foram os semanários e os não-diários que nos uniram ao nível das bases que alimentam o ecossistema –que também alimenta os grandes jornais diários nacionais e internacionais”, diz.
Ou seja, para além de chegarem onde mais ninguém chega, ao fundo da nossa rua, servem, também, de alimento aos jornais nacionais, muito mais centralizados e afastados das populações.
“Normalmente vamos às comunidades para ter uma noção do que as pessoas sentem sobre os semanários – quão leais lhes são. Descobrimos que a percentagem dos leitores leais [dos semanários] superam o de jornais como o New York Times ou Wall Street Journal”, grandes jornais americanos. A razão é que os semanários “falam da comunidade”. “É o único local onde a maioria dos moradores podem ter notícias confiáveis e compreensíveis com assuntos que os preocupam”, frisa.
Por isso, entende que “é fundamental para a nossa democracia que apresentemos modelos de negócios para qualquer que seja a versão de jornais do século XXI”.
As razões nunca estiveram tão à vista como agora.
A pandemia de covid-19 provocou dois efeitos imediatos na população. O confinamento, que tornou mais pessoas mais predispostas para consumir informação (ler notícias); a necessidade de consumir mais informações (mais notícias). Mais uma vez, com a imprensa a servir de principal manancial de informação sobre as comunidades locais e o desenvolvimento da doença na região.
Em muitas situações, o Mensageiro de Bragança tornou-se na única fonte de notícias sobre o evoluir da doença no Nordeste Transmontano, com análises, gráficos e informação atualizada e destrinçada.
“Apesar das dificuldades, a imprensa continuou a exercer a sua missão neste tempo como a consciência crítica de uma sociedade diversa e plural, característica fundamental do jornalismo exercido em liberdade e em democracia.”

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