Ferrovia de interesse público
Na sequência do Conselho de Ministros de 16 de abril, que aprovou o Plano Ferroviário Nacional, identificou os investimentos prioritários e sua concretização pela Infraestruturas de Portugal (IP), surge agora, um novo protocolo que gostaríamos que não fosse a pretexto de eleições autárquicas: o estudo da ligação de alta velocidade Porto-Zamora para Madrid via Bragança.
Assinado no pretérito dia 23 de julho, em cerimónia oficial com a presença do Ministro das Infraestruturas, o documento reúne IP, CCDR-Norte, CIM-Terras de Trás-os-Montes, e mobilizará um investimento de cerca de 1,5 milhões de euros.
Tendo em conta a iniciativa e a abordagem inicial da Associação Vale d’Ouro, a viagem entre o Porto e Madrid, via Bragança, prevê-se que possa demorar apenas 2h15, tornando-se nesse sentido muito importante, pois para além de ser célere, esta rota abre uma nova centralidade no eixo atlântico, colocando o Nordeste Transmontano no coração da mobilidade ferroviária ibérica.
Seria sem dúvida um contributo decisivo para alterar profundamente o mapa da coesão territorial portuguesa, uma oportunidade de desbloquear esta região do país.
Contudo, se por um lado, não basta assinar protocolos pois nem sempre a entrega da nossa confiança foi correspondida no rol de promessas ou de gestos políticos de anúncios, por outro, importa que este estudo vá de encontro a um verdadeiro Plano Ferroviário Nacional, descomprometido de interesses corporativos e com a presença de consultores com visão europeia e devida experiência técnica.
No fim, o que se espera é que, sem dúvidas, o estudo privilegie a racionalidade económica, a coerência territorial e, sobretudo, a integração europeia. Este último princípio, historicamente, tem sido negligenciado em múltiplos investimentos ferroviários, algo avulsos, dispendiosos e, por vezes, economicamente inviáveis.
É fundamental que se assuma no nosso País a decisão da União Europeia de construir um verdadeiro mercado ferroviário continental, onde os comboios devem circular de Norte a Sul e de Leste a Oeste sem barreiras técnicas.
Para isso, exige-se o abandono da bitola ibérica e a adoção da bitola europeia, já aplicada pelos nossos vizinhos espanhóis nas principais ligações, com apoio de fundos comunitários que chegaram a cobrir até 80% dos investimentos.
Portugal, que também subscreveu o Plano da Rede Ferroviária Transeuropeia, tem de alinhar por esta bitola, técnica e politicamente. Caso contrário, arrisca-se a ficar à margem dos fluxos de mercadorias e passageiros que dinamizam a economia.
Só com integração plena na rede transeuropeia é que será possível atrair operadores internacionais, fomentar a concorrência e baixar os custos para os utilizadores.
O exemplo salta à vista: entre Madrid e Barcelona, operam companhias espanholas, francesas e italianas, oferecendo viagens a 250 km/h por apenas 2 cêntimos por quilómetro. Já entre Lisboa e Porto, a CP pratica 9 cêntimos por quilómetro, a velocidades inferiores e com greves recorrentes.
O grande desafio dos próximos é investir em obras, com integração com os objetivos europeus e sem penalizar o erário público com custos ocultos. Não faz nunca sentido, nós, os contribuintes, pagarmos não pelos passageiros transportados, mas pelos que “poderiam ter sido transportados”, mesmo em comboios quase vazios.
Este estudo, que se deseja evidencie que há condições e maturidade elevada para fazer avançar a ligação Porto-Zamora via Bragança é, pois, um teste à seriedade do país no planeamento ferroviário. Se for feita com visão estratégica, poderá ser a peça que falta para integrar Trás-os-Montes no desenvolvimento nacional e europeu. O futuro ferroviário não pode continuar a passar ao lado de Bragança. A hora é agora.