A opinião de ...

A pandemia, a vacinação e os direitos do homem

1. Breves textos introdutórios
1.ª Temos de ter esperança, se não, não valia a pena. - Aida Semedo, 81 anos, no momento de tomar a primeira dose da vacina contra a covid-19 – In Jornal Público – 06.02.2021, pág.6.
2.ª “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos” – Hanna Arendt (filósofa judia alemã, naturalizada americana) em ‘As Origens do Totalitarismo’. D. Quixote.
3.ª “Em que circunstância é alguém livre de agir como deseja? Será a liberdade comprometida apenas quando é sujeita a um condicionalismo externo? Ou quando não consegue orientar-se ou controlar os apetites como desejaria? Ou quando não se comporta como é exigido pela boa razão e pela boa moral? – Ronald Dworkin (Filósofo e constitucionalista americano), em ‘Justiça para ouriços’. Almedina, 2012, pág. 229.
2. Algumas notas de reflexão
A pandemia coloca-nos exatamente na problemática do exercício de direitos, quando somos confrontados pelo uso ilícito da vacinação. Deve afirmar-se previamente que o plano de vacinação tem tido um rumo correto, apesar de algumas falhas de natureza discricionária no domínio da sua administração que, apesar de tudo, não o ferem substancialmente. O âmbito dos direitos humanos (seria preferível dizer direitos dos homens!) abrange diversos princípios que convergem para a dignidade da pessoa: a tolerância, a igualdade e a participação democrática na vida da “civitas” (exercício pleno da cidadania, nas suas diversas dimensões).

Faz sentido o pensamento de Hanna Arendt acima citado. Trata-se da defesa intransigente dos princípios e valores universalmente aceites e que estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Eis um tema – Direitos Humanos – que deveria ser objeto de ampla divulgação junto dos cidadãos num processo de literacia ‘política’ que, decerto, contribuiria para o regresso à posição de país com democracia plena (recorda-se que há poucos dias o nosso País passou para a ‘categoria’ de democracia com falhas – ver Índice de Democracia que a revista The Economist, publica anualmente).

Na mesma linha, o objetivo de Dworkin é alimentar de valores os cidadãos para a compreensão dos fenómenos quotidianos, práticos. Ao lermos o livro acima citado, deparamo-nos com os temas chave que desenvolve: a igualdade, a liberdade, a democracia e a justiça/direito. Para ele, igualdade representa a correta distribuição de recursos, não uma distribuição igualitária, mas uma distribuição equitativa. Quanto à liberdade, este autor, no essencial, defende o princípio da responsabilidade individual, baseada no que chama a liberdade substancial, para acrescentar que é imperioso distinguir a liberdade baseada no conceito meramente estatístico de um conceito social, democrático. No que respeita à democracia, refere enfaticamente que cada cidadão é um ser igual que vive conforme ao direito e à justiça. Direito e justiça que não conflituam, ou só são conflituantes na medida em que nem tudo que é direito é justo e nem tudo que é justo é direito (Non omne quod licet honestum est).
Que grande lição nos dá a anciã ao proferir a frase que encabeça esta crónica. Não sabemos se esta cidadã alguma vez leu Hanna Arendt ou Ronald Dworkin. Mas aprendeu a lição da vida, e dá-nos ela uma lição de dignidade e de humildade. De autenticidade. E de esperança. Aprendamos.

Edição
3821

Assinaturas MDB