A opinião de ...

Do Alto da Serra – A Batalha do Buçaco

Em 1810, Napoleão campeava senhor da Europa, tinha a Espanha sob seu domínio e exasperava pela conquista de Portugal, depois de duas invasões falhadas. Organizou, então, um colossal exército de quase 70 mil militares e escolheu Masséna, tido como l’enfant chéri de la victoire, para comandante da invasão. Travada no contexto da 3.ª Invasão Francesa, a 27 de setembro de 1810, a Batalha do Buçaco constitui-se como uma das mais emblemáticas da Guerra Peninsular e a última grande batalha de cariz internacional travada em território português.
Tendo Lisboa como destino, a invasão concretizou-se pela Beira Alta a partir de Ciudad Rodrigo e a conquista de Almeida, continuou por Celorico da Beira, delapidou Viseu e … encontrou pela frente uma frondosa e altaneira serra que lhe barrava o caminho, onde se dispunham as linhas defensivas luso-britânicas comandadas pelo general britânico Arthur Wellesley. Não obstante, Masséna, nada atreito a contratempos, impôs às suas unidades a subida íngreme da serra, de forma reiterada e em vagas sucessivas, de forma a desarticular os defensores. Contudo, através do fogo e ações de baioneta calada da Infantaria, da metralha da artilharia e da atuação oportuna de reservas ocultadas, os franceses rolaram encosta abaixo, deixando no campo de batalha cerca de 4.500 baixas, que inclui o inusitado número de cinco oficiais generais, sete coronéis e mais de duas centenas de oficiais de patente inferior. Números bastante superiores às cerca de 1.100 baixas de portugueses e britânicos.
Sobre a batalha, referiu Wellesley na Gazeta de Lisboa (3 de outubro de 1810): «As operações que effectuei no dia 27 me offereceram uma opportunidade de mostrar ao inimigo a qualidade das tropas de que era composto o meu exercito, bem como a de conduzir pela primeira vez as tropas portuguesas recentemente recrutadas e organizadas a uma acção com elle em uma vantajosa posição. As tropas d’esta nação hão mostrado que o trabalho e desvelos que com ellas se tiveram não foram baldados, e que se tornaram dignas de combaterem nas mesmas fileiras das tropas britannicas pela tão interessante causa, á qual ellas offereceram as melhores esperanças de salvação». Já Napoleão exasperou-se face ao desempenho: «Massena sempre foi cabeçudo, mas no Buçaco mostrou ser ignorante, atacando de frente uma tal posição sem a devida preparação de artilharia».
Duzentos anos depois, se a orografia da serra se mantém, as características do terreno da batalha mudaram, sobretudo ao nível da hidrografia (desaparecimento de algumas linhas de água) e ao da vegetação, que ocupou largos espaços outrora aptos à observação. Porém, um observador atento que se posicione em alguns dos pontos de observação existentes, como o local do padrão que memoriza a batalha, a Cruz Alta ou o moinho do Sula, não pode deixar de depreender as ordens de batalha dos exércitos e o dispositivo tático adotado, admirar a motivação dos comandantes dispostos a atingir os objetivos estipulados e sentir a coragem e a honra do soldado anónimo empurrado para a cara do inimigo. A serra do Buçaco foi um charco de sangue que a memória não apaga e um observador cortês curva-se mecanicamente em homenagem dos milhares de homens que lutaram e perderam e vida ou ficaram feridos numa batalha dura e violenta. A batalha não foi decisiva, mas revelou-se determinante, pois recobrou o moral dos soldados aliados, credibilizou os portugueses e quebrou o ímpeto da progressão francesa e da audácia do seu comandante, cabendo ao «articulado» defensivo das Linhas de Torres Vedras completar, cerca de um mês depois, o fim de linha da ambição napoleónica em Portugal.
Portugal, como em outras situações de invasão e contusão estrangeira, soube esgrimir argumentos diplomáticos que lhe garantissem sólido apoio de aliados fortes e confiáveis, levantar das cinzas um aparelho militar capaz de combater o inimigo e incutir no povo o nervo defensivo da Pátria. No fundo, a disponibilidade para se verter o sangue pelo bem maior que é a manutenção do território legado pelos egrégios

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3902

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