A opinião de ...

A Economia II - As indústrias locais b)

O marceneiro era o mago das madeiras. Conheciam toda a madeira serrada, só num relance. Nós não o conseguimos fazer, a menos que esteja polida ao natural e tenhamos já sido instruídos. Eram profissionais que ainda sabiam trabalhar sem pregos ou parafusos, embora estes já estivessem vulgarizados. A arte era passada de artista a aprendiz, ao longo de muitos anos, e os móveis executados a rigor. Frequentemente tiravam modelos de móveis antigos, entregues para reparação, para novas obras. Com a concorrência de outras latitudes, e a mecanização, foram sendo ultrapassados e hoje sobrevivem só artistas isolados, que não conseguem fazer muito mais do que reparações, sem transmissão de saberes a novas gerações. Os iquêás, que proliferam como cogumelos, estão já a fazer o mesmo àquela concorrência. Não há nada como um belo móvel sólido, de madeira maciça, feito para o seu lugar. Primos destes, mas muito raros, eram os escultores de madeira, normalmente para oratórios, os santeiros. Creio que não sobreviveram. Se nascidos noutras paragens eram escultores famosos. Nunca foram reconhecidos.
Ainda parentes destes eram os tanoeiros. Escultores de pipas e tonéis, dornas e barris. A sua arte fazia aduelas perfeitas, espécie de cascas de laranja, recortadas como seus os gomos. No topo cravavam os tampos, e tudo vedavam. Os tonéis tinham saídas maiores, com ferragens, para poderem ser limpos. As dornas eram usadas no transporte das uvas para o lagar. A vinha e o vinho tinham um papel económico, social e cultural determinantes.
Associados a estes estavam os cesteiros, pois que tratavam de fazer e manter os cestos de apanha da uva. Mais usados no Douro, eram determinantes para trazer a uva monte acima, com uma cinta presa à testa e a base apoiada nas costas. Trabalho duríssimo. Mas faziam muito mais, um verdadeiro ex ibris do Trás-os-Montes passado: cestas e canastras! Na actualidade sobrevivem na versão urbana, uma sombra dos feitos passados. As cestas usavam-se para tudo. Usos caseiros como a apanha da batata e de tudo que a horta dava. Num braço penduravam-se pela asa e no outro colocava-se lá meia vida. Não havia casa sem cesta, como hoje a não há sem um milhão de coisas inúteis. Paralelamente à cesta, a canastra era a arca de arrumos de curto prazo. A arca de exposição, o parque da criança, a cesta sem asa, de maior tamanho.
O cesteiro sentava-se com os seus estranhos instrumentos cortantes e desfiava os ramos de vime e salgueiro; entrançava-os, dando forma, resistência, utilidade.
Uns momentos para a moagem, artes de enorme afazer. Eram pequenas e muito artesanais, mas muito necessárias. Era preciso domar o rio, fazer uma represa ou um canal lateral, para levar a água à roda. Eram todas muito antigas. Alfredo Marceneiro cantou-os num fado comovente. As mós, de pedra, moíam o grão, que os lavradores produziam, com a força da água. A paga era a maquia, uma percentagem do grão entregue. Não resta um, a energia levou-os.
De todos estes a entrada da electricidade, pelo menos nas sedes de concelho, apoiou uns e levou outros.
A pesca de rio era outra actividade artesanal que hoje quase não subsiste. As artes de pesca de mar eram aqui mimetizadas, mas muito modestamente.
Como as vidas de todos.

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