A opinião de ...

A Economia VII - As hortas b)

Para ter uma horta é indispensável haver água todo o verão, e nem todos a tinham. Começa-se com os alfobres.

A rega é especialmente penosa por exigir muita presença. Recordo ainda os chamamento das mães aos filhos pequenos, o nome pronunciado alto, agudo e prolongado: “Toniiiiiiiinho… anda daí, que havemos de ir à horta a regar….”. Ainda os motores a petróleo eram raros. A água saía de um poço, uma fonte ou um ribeiro à força de cegonhas (ou picotas), vestígios árabes, ou os gravanos, uma vasilha de metal, trespassada por um cabo comprido de madeira, que mergulhava na água e a retirava, à força de braços. Toda a rega era feita em sulcos, pelo pé, colocando pedras ou terrões no caminho da água, para a reter, quando o declive é um pouco maior. Por isto a lavoura é importante, os sulcos têm de ser em linha direita e em cota, para a água escorrer sem velocidade, que erodia os valados. A rega pelo pé precisa que a água encha os valados, devagar, e se mantenha lá, para entrar em profundidade na terra. As diferentes plantas têm necessidades diferentes, que é preciso conhecer. Da época da produção às necessidades de água ou o momento da colheita, têm de ser dominados. As épocas de safra numa horta são contínuas, dada a diversidade de produções em causa. Começa-se com a apanha da batata e estende-se até Janeiro, com as couves penca, que precisam de muita geada para ficarem macias e doces.

Em toda a horta há uma estrutura curiosa, uma espécie de tenda feita com estacas em V invertido. As pontas são atadas com fios e outras estacas são-lhes atadas paralelamente ao chão. Destinam-se a permitir o crescimento trepador do feijão, do feijão verde, se apanhado nesta fase, ou seco, se se deixa amadurecer. Ervilhas têm o mesmo tratamento. Em toda a horta, durante a fase de invernia, há rolos de estacas atadas, aguardando nova estação, que parecem ser feixes de lenha, para os leigos.

Uma área de nabal é também indispensável, para ter as folhas, inicialmente, e os espigos, logo antes da floração. Uns e outros são belíssimos, cozidos sós, ou com batatas ou na sopa. Mas é preciso saber cozê-los, não devem ser adicionados na água fria, só quando está a ferver. Depois de cozidos ainda se podem guisar, iniciando o processo com azeite e muito alho. A tomatada, com muita cebola, feita com tomate maduro (nada desses dos sótos modernos) é irrepetível. Trás-os-Montes tem muitas lições a dar nesta área gastronómica e do que são as suas tradições. Não se deve deturpar estes usos ancestrais com invenções de chefs de vão de escada. Mas disso também não sei quase nada.

O grão de bico semeia-se em sequeiro e é uma das graduras importantes para a alimentação e também por ser benéfico para a fertilidade da terra. Também os estrumes eram indispensáveis.

Muitas das sobras de uma horta são aproveitadas na produção de animais (aves e coelhos), mas também os porcos utilizam o que resta dela. As aves passam semanas a terminar o que resta dos vegetais, já sem uso, e debicando insectos e vermes na terra.

Se escolhêssemos uma só imagem da vida em Trás-os-Montes, na época em causa, globalmente falando, era justo que esta fosse a imagem uma horta.

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