Erros meus, má fortuna...
Ainda esta semana, o Ministro da Educação, na sua passagem por Bragança, enaltecia o papel da poesia como forma de evoluir o pensamento humano.
A propósito dos acontecimentos das últimas semanas envolvendo o antigo presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, lembrei-me de um soneto de Camões:
“Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa que a Fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Tem-se acusado a comunicação social de uma perseguição infundada ao antigo autarca brigantino, a propósito das situações que têm vindo a lume.
Várias reportagens levaram à demissão de Hernâni Dias do cargo de Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.
Uma demissão que, até para bem do próprio, deveria ter acontecido mais cedo. Só Hernâni Dias e Luís Montenegro não o perceberam. E, com isso, obrigaram a que fosse o Presidente da República a vir a público dar um puxão de orelhas e um recado que, para Montenegro, foi claro: ou Hernâni Dias saía a bem ou saía a mal, arrastando consigo o próprio Primeiro-Ministro.
Sem querer estar a entrar no campo da Justiça, que tem o seu tempo, e onde o cidadão Hernâni Dias poderá dar as explicações que tem de dar, na política há uma dimensão que vai para além do estrito cumprimento da legalidade. E foi isso que tanto ele como Montenegro tiveram dificuldade em perceber.
Um governante que está embrenhado na preparação de uma lei sobre a utilização dos solos não pode, dois meses antes de a lei ser aprovada, constituir empresas para operarem, precisamente, no âmbito da lei que estava a ser criada. Não por uma questão de legalidade mas para afastar qualquer suspeição que a partir daí advém.
É confrangedor assistir a uma personagem como Isaltino Morais, que esteve preso por ser “demasiado generoso” com um sobrinho, vir à televisão comentar este caso e apontar ingenuidade a Hernâni Dias.
No passado recente houve governantes que saíram sem serem diretamente acusados (Carla Alves, por exemplo), um Primeiro-Ministro que foi demitido sem ser acusado (e quem sabe investigado).
Neste caso, a saída era o caminho inevitável.
Ambos deviam ter percebido isso mais cedo. Teriam evitado dissabores.