O ser e o parecer
Portugal nunca esteve tão mal em matéria de corrupção como agora. A afirmação é forte e pode não corresponder à realidade mas traduz a perceção que os cidadãos têm do país em que vivem. Esse é, pelo menos, o resultado do último Índice de Perceção de Corrupção, que deixa o nosso país com 57 pontos (em 100), no 46.º lugar, ao nível de Ruanda ou Botswana.
Foi o pior resultado do país desde que o índice começou a ser publicado nestes moldes em 2012, escrevia a CNN esta semana.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, resumiu aos jornalistas as implicações. “O que interessa não é a corrupção que existe ou não existe. É essa perceção que gera maior ou menor confiança no combate à corrupção.”
Ou seja, “à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo”. Não basta só ser sério, é preciso que toda a gente veja que, quem exerce cargos públicos, o veja e não restem dúvidas.
Se não, a confiança nas instituições desvanece-se e o pais não funciona como devia. Isso gera ainda mais injustiças e uma economia mais pobre.
Por isso, a Transparência Internacional Portugal deixa alguma medidas que seriam necessárias:
• Implementar a estratégia nacional anticorrupção, garantindo não apenas a identificação e correção das falhas que persistem até hoje, mas também a definição de metas objetivas e métricas claras que permitam avaliar progressos anuais até 2030, alinhadas com recomendações internacionais.
• As entidades responsáveis pelo combate à corrupção, como a Entidade para a Transparência e o MENAC, devem ser reforçadas com recursos financeiros e autonomia orçamental adequados, permitindo-lhes atuar de forma eficaz.
• Portugal deve aprovar legislação específica para o lobbying, criar um Registo de Transparência da Representação de Interesses e a obrigatoriedade de publicação de pedidos de escusa por parte de membros do governo devido a conflitos de interesse.
• No setor judicial, é urgente reforçar a eficácia da aplicação da lei no combate à corrupção. Para isso, o país deve adotar um novo quadro legal e operacional que permita acelerar investigações e julgamentos de crimes económico-financeiros, eliminando a complexidade dos megaprocessos, combatendo expedientes dilatórios e reduzindo o risco de prescrição por atrasos processuais.
• Desenvolvimento de ferramentas digitais acessíveis à sociedade civil que permitam um escrutínio independente e informado sobre o funcionamento das instituições públicas.
• O controlo de património e rendimentos dos políticos deve ser mais rigoroso. Para evitar conflitos de interesse e garantir uma administração pública íntegra, é essencial fortalecer o regime de impedimentos, aumentar a transparência nos critérios de seleção para cargos públicos e combater o fenómeno das “portas giratórias” entre setores políticos e privados.
É fundamental que as medidas sejam implementadas mas os sinais que se veem dos partidos que nos governam são outras. Por exemplo, dificultando, cada vez mais, o acesso aos documentos e às declarações de rendimentos de quem ocupa cargos públicos. Esquecem-se que a vigilância é um dos garantes, precisamente, do combate e prevenção de corrupção. Se não subsistirem dúvidas de que um político sai das funções públicas com muito mais do que aquilo com que entrou, a confiança dos portugueses nas instituições será muito maior, aumentando não só a participação cívica como, até, a predisposição para o cumprimento da legalidade.