A opinião de ...

Uma economia que mata

O Papa Francisco caracterizou, através da sua exortação ao Mundo e, particularmente à Igreja, o atual estado da sociedade global, onde a globalização da indiferença fez do egoísmo, da segregação social e do controlo dos circuitos da finança a maior praga de exclusão e pobreza, onde cada pessoa é uma coisa, um número, ou apenas um resíduo de um mecanismo a que alguns se atrevem a chamar de economia do conhecimento e dos intangíveis.
A crença nas instituições políticas, religiosas e económicas desvaneceu-se e pode dizer-se que, em boa parte, houve uma conjugação destas três forças para que, por omissão ou ação, se tivesse chegado ao estado a que se chegou. A sociedade pós moderna não soube aproveitar os avanços do conhecimento para colocar a ciência e a tecnologia ao serviço de uma economia saudável, sustentada num padrão de bem-estar e de realização pessoal, onde a riqueza mais do que um ganho individual fosse o suporte da construção coletiva de uma sociedade equilibrada.
Com efeito, a política permitiu que nos últimos 50 anos se tivesse assistido à democratização do mundo desenvolvido, a par de guerras regionais que movidas por interesses económicos e rivalidades religiosas tornaram o mundo inseguro e incapaz de gerar condições de equilíbrio para uma distribuição da riqueza que garantisse igualdade de oportunidades para todos. A globalização financeira ultrapassou a globalização económica e aquilo que se podia esperar ser uma oportunidade para os países menos desenvolvidos transformou-se, rapidamente, num escopo de especulação financeira que fez mergulhar o mundo na crise em que vivemos. Diz o Papa Francisco que vivemos um tempo onde valores tão básicos como os da fraternidade e da solidariedade perderam o sentido da responsabilidade individual que a todos devia pertencer, ao mesmo tempo que afirma o desprezo pelos valores éticos de respeito pela condição humana. É verdade. Mas se as instituições políticas são hoje a manjedoura de uma casta de incompetentes que servilmente se ajoelha perante um poder económico que instrumentaliza, no seu interesse, as decisões que lhe convém, as instituições religiosas fecharam-se em templos cada vez mais escuros onde a espiritualidade é vivida sem intervenção nem força nos problemas mais ingentes da sociedade. Mesmo as formas de intervenção social, sob o patrocínio das instituições religiosas, têm sido, em muitos casos, locais de aproveitamento espúrio, reiterado e blindado por uma casta que pensa mais em servir-se do que em servir. E é por isso que se compreende tão bem o esforço magnânimo deste Papa que fala desabridamente para dentro da Igreja, porque sabe quão grande é o seu papel e a sua influência e sabe também a dimensão dos vícios, das perversidades e das más práticas que em nome da Igreja e de Cristo têm afastado tantos e tantos crentes, cuja prática seria bem diferente se as Instituições não estivessem reféns dessa malha urdida para dominar em nome de interesses contrários aos da verdadeira Igreja e dos valores cristãos. Tal como na Igreja também na política, de que se esperaria uma nobre ação transformadora ao serviço do Homem, tudo, mas mesmo tudo, está subtraído a uma espécie de “seita” de medíocres e de oportunistas que parasitam nas instituições e nos partidos, numa espécie de vaivém que tornou descrentes todos os que, por convicção e princípios, ancoraram as suas forças acreditando numa ação transformadora que fizesse de cada comunidade uma molécula de uma mundo melhor. E por isso quase todos desertaram, uns das Igrejas, outros dos partidos, outros das organizações não-governamentais alheando-se da vida pública e da intervenção cívica. Dir-se-á que abulia não é vida, e com razão, porque nesta imensa multidão de desvalidos, de descrentes e de desesperançados tem de aparecer um líder, um pastor, ou simplesmente um Homem que nos conduza ao caminho da libertação, à recuperação da dignidade perdida e, sobretudo, a poder de novo acreditar. E este discurso ou narrativa de esperança, consubstanciado na exortação do Papa Francisco fez, para já, despertar consciências que se espera que, num quadro de paz e tolerância, possam assumir com força e determinação esta batalha contra a economia que mata e por uma economia ao serviço das pessoas.

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3452

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