O Natal dos nossos dias
Chegaram sonhos … sonhos às miríades!
É tempo de grande agitação.
E tantos sonhos, lindos sonhos tríades
– Festa, Amizade e Oração –
Acordaram a solidariedade
Que todos os anos revivesce,
Por esta ocasião.
É nesta ocasião
Que mais se apela à caridade
Para quem vive coberto de trapos
E, à porta dos que muito têm,
Dorme no chão, em cima de farrapos,
Perseguido pelo frio
Que lhe vem do ar da noite
E da humidade daquele chão,
Enrolado num puído cobertor
Sobre um esfarrapado e pútrido cartão.
É esta a ocasião
De tomar conta das chagas dos mendigos
E daqueles que sobrevivem
Sujeitos aos múltiplos perigos.
É principalmente nesta ocasião
Que a fome deixa em paz
Todo aquele que até nos sonhos,
Mesmo não sendo bebedor de absinto,
Nem conhecedor
Do que, na dor, é capaz,
Sofre o martírio de delirante faminto!
(Aquele a quem a miséria revela o não saber
Quando voltará a poder comer!)
É nesta ocasião
Que se ilumina a fachada de tanta habitação
E se acende o candeeiro das mil luzes
Dependurado do teto do salão!
É nesta ocasião
Que se come a couve-tronchuda,
O polvo, o peru e o leitão,
O bacalhau, os sonhos, as filhós
E as belas rabanadas
Que a cozinheira, afogueada, pôs,
Bem aloiradas,
Mesmo no centro da mesa do salão.
(Salão cuidadosamente preparado
Que num canto guarda, com valor sentimental
E por tradição,
Uma velha e carunchosa mala colada ao chão.)
Vem a sobremesa!
Perante tanta maravilha
Que à luz do candeeiro brilha,
Toda a gente os olhos arregala,
Toda a gente fica sem fala!
E recebido com júbilo, em manifesta alegria,
Vem, no final da ceia,
O grande bolo-rei que as ânsias incendeia
– Precisamente aquele que a dona da casa mais queria.
A acompanhar tão subido repasto
Servem-se bebidas … as mais deliciosas,
Sem se ter olhado a gasto.
Neste dia,
O dia em que toda a família se encontra reunida,
Conversa-se à volta da comida,
Alegremente a ser consumida.
Há o calor da lareira, o calor do fogão
Ou o calor do aquecedor,
Sempre à mão.
E não falta o calor humano
Que se repete religiosamente, de ano a ano.
Depois deste comer, deste falar e deste mar de luz,
Acaba, em sossego e calma sonolência,
A Ceia do Natal – do Natal de Jesus
Cuja inocência
Nos fala da Paz, da Humildade e do Amor
Sublimados no Calvário
Pelo sangue que tingiu a excelsa Cruz.
Toda a gente se vai deitar
Depois de as portas fechar
E depois de apagar a luz.
Lá fora, entretanto, faz frio.
E este frio que cresce aos borbotões,
Que gela a alma e fere os corações
Há de, um dia, ser exaltado
Por força do olhar magoado
Daqueles que sofrem tantas privações!
