Amor com reservas não é amor, é interesse!
Em pleno tempo quaresmal, a sábia e eterna pedagogia eclesial convida-nos a uma adesão livre, consciente e determinada ao caminho que conduz à renovação do nosso coração, configurando-o ao coração da Misericórdia e da Esperança. Para a construção de um amor mais pleno, autêntico e genuíno, a Tradição recorda-nos uma verdade incontornável: todos estamos, inevitavelmente, na fila para a morte. E, diante desta certeza, somos chamados a posicionar-nos de forma consciente.
A consciência da nossa finitude amplia a perceção de que o tempo que temos para viver é limitado. Isso imprime em cada um de nós a necessidade de viver plenamente, sem adiamentos, sem reservas. Caso contrário, permanecerá sempre em nós um certo amargo de boca. É desejável, portanto, que, enquanto aguardamos a nossa partida ou nos aproximamos dela, possamos mudar a nossa atitude perante a vida. Ou seja, talvez devamos fazer de cada instante um momento que valha a pena ser vivido, que deixe memória e que contagie positivamente os outros. No fundo, encontrar um propósito e uma missão.
Mas como iniciar esta transformação? O primeiro passo passa pelo autoconhecimento, que nos ajuda a compreender que o caminho implica motivar mais, elogiar mais, em vez de criticar. Fazer com que alguém se sinta especial no coração de outro não é apenas um gesto de carinho, mas a criação de laços que perduram para além do tempo. Ser capaz de tornar um “alguém” especial é uma missão de todos nós. E, por outro lado, permitir que um “alguém” nos torne especiais é igualmente belo! Esta reciprocidade não só faz a diferença, como nos transforma verdadeiramente. Afinal, a vida, para ser plena, precisa disso.
Não devemos temer ir mais além: permitir que a vida seja, de facto, vida na nossa existência. Provar novos sabores, conhecer novos lugares, deixar-se surpreender por alguém que a vida nos apresente. Em suma, aprender a viver sem arrependimentos ou remorsos. O que passou, passou. O passado faz parte da nossa história e, quando compreendemos que ele é o alicerce do futuro em construção, entendemos que tudo tem o seu lugar. A dor e a mágoa não são fins em si mesmas, mas processos de aprendizagem que nos potenciam, nos impulsionam e ampliam o crescimento. Este posicionamento perante a vida gera paixão e entusiasmo. Quem dera que todos pudessem sentir-se bem e em paz consigo mesmos!
Viver sem arrependimentos significa não permitir que a mágoa tome conta de nós. Pelo contrário, ela deve ser um motor para o nosso crescimento e amadurecimento como seres humanos únicos e irrepetíveis.
É neste ponto que o amor se manifesta como a grande consequência natural da vida. Ele dá sentido e significado à existência. E, à medida que compreendemos isso, percebemos que só o amor importa. Que só por ele vale a pena lutar. Que só por ele vale a pena morrer.
Assim, o amor torna-se essencial. Mas um amor genuíno, autêntico, puro e desinteressado. Um amor sem reservas, sem condições, sem “mas”, sem “talvez”, sem “nins”. Esse é o verdadeiro amor e o verdadeiro ato de amar. Quando amamos com condições, na verdade, não amamos: apenas temos interesses.
Cada vez mais, vemos pessoas a deixar-se guiar pela melodia enganosa do interesse. No entanto, a única medida do amor é amar. O amor não tem escalas, não tem limitações, não tem cálculos. Ou se ama, ou não se ama. Qualquer reserva transforma esse sentimento em algo da esfera do interesse.
E aqui fica a grande questão: quem tu amas, amas de verdade ou tens interesse nessa pessoa? E quem diz que te ama, ama-te de facto ou tem interesse em ti?
Eis a pergunta mais desafiante: tu amas Deus ou tens interesse n’Ele?