A opinião de ...

(Parte II) Identidade e diferença num mundo globalizado

«A identidade nacional constrói-se numa dinâmica de confronto»
“Eu sou tu quando eu sou eu” (Paul Celan)
A sociedade moderna padece, como profeticamente Lipovetsky anunciou, de problema de individualismo e egoísmo únicos na história. Os indivíduos estão cada vez mais “absorvidos neles próprios” (LIPOVETSKY, 1989, p. 20) e a procura por uma identidade pessoal apresenta-se como um problema premente, indissociável das profundas modificações culturais em curso.
A este propósito, o Papa Francisco assevera que:
“Identidade e alteridade existem juntas e podem coexistir apenas num contexto de coragem, liberdade e oração. A alteridade é vital para a identidade. «Nunca sem o outro», o título de um belo ensaio de Michael De Certeau, é um belo «lema» que pode distinguir a existência humana, que encontra no relacionamento a sua plenitude e o seu sentido último. Um coração dobrado sobre si mesmo fica doente e «incrustado» com escórias que impedem a sua pulsação saudável e vivificante. O relacionamento tem a sua própria «respiração», que precisa de ritmo e oxigénio limpo, condições garantidas apenas pela presença do outro. A minha identidade é um ponto de partida, mas, sem alteridade, ela cai em ouvidos surdos, murcha e corre o risco de morrer. Sem o reconhecimento da alteridade, não apenas o outro morre, mas também eu morro. O aspeto importante, no entanto, é que, para ser «completo», esse reconhecimento deve abrir-se ao reconhecimento da liberdade do outro. Este ponto é crucial. Aqui, vamos mais uma vez ao coração do Cristianismo” (FRANCISCO, 2020, pp. 128-129).
O medo pelo outro sempre acompanhou a história da humanidade. Mas é a assunção da alteridade que define e marca a identidade pessoal e colectiva. O Padre Anselmo Borges afirma que “a identidade só se dá na e pela alteridade. Só há ser humano com outros seres humanos. Ser e ser-em-relação identificam-se. A alteridade não é adjacente, acrescentada. O Homem só existe no encontro com o Outro/outros. Sem tu, não há eu, e nós somos nós, na presença e no encontro com os outros” (BORGES, 2009, p. 8). Por isso, Beyung-Chul Han reitera que “um sistema que rejeita a negatividade do diferente desenvolve traços autodestrutivos” (HAN, 2018, p. 9).
Nesta mudança de horizonte e de perspectiva, o Papa Francisco lembra que “estamos todos no mesmo barco e somos chamados a empenhar-nos para que não existam mais muros que nos separam, nem existam mais os outros, mas só um nós, do tamanho da humanidade inteira” (FRANCISCO, 2021). Aliás, já na Carta Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco expressa o seu desejo para que já “não existam os outros, mas apenas um nós” (FRANCISCO, 2020, nº. 35). Eis o caminho e o roteiro para a nossa hodiernidade.

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3992

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