A opinião de ...

Perante um problema, eu sou responsável pela resposta

Na vida tudo começa e acaba nas emoções. As emoções não só contagiam, como também manipulam e condicionam o que pensamos. E a verdade é que a nossa mente está mais programada para ver o mal do que o inverso. Então, o que fazer? Primeiro, há que reconhecer esta nossa condição e, concomitantemente, reprogramar a nossa mente.
Por isso, perante um problema eu devo ser capaz de o resolver e de o enquadrar, quer na minha vida, quer na minha identidade. De forma responsável e de forma consciente, devo-me auto-implicar neste processo de autoconhecimento e de desenvolvimento pessoal. Neste processo, é essencial trabalhar a partir das quatro áreas fundamentais da pessoa humana: a dimensão física (saber cuidar da saúde e da vitalidade físico-corporal), a dimensão mental (pela instrução e pelo estudo), a dimensão emocional (aprender a gerir as emoções) e a dimensão espiritual (abertura ao divino, àquele Encontro que transforma e que nos faz evoluir; sentido e o propósito das nossas vidas). O equilíbrio entre estas quatro áreas é vital para um crescimento e um desenvolvimento integral da pessoa humana.
O mundo moderno está muito marcado pela cultura do imediato e do leve. Cada vez mais se dá conta da liquidez das relações e de como, mais do que nunca, vivemos mais sós, mais frágeis e mais magoados. É difícil confiar e viver sadiamente uns com os outros. Apercebemo-nos que as motivações de alguns e de muitos estão somente no interesse dos seus desejos pessoais, muitas vezes envolvidos pela ânsia aniquilante da sobranceria, do orgulho ou do poder camuflado de domínio.
Ao lermos Gilles Lipovetsky, em “Da leveza”, apercebemo-nos, como tão sagazmente aponta Joana Marques num artigo publicado no Observador, que “o tempo lento foi substituído pela “tendência”. Os indivíduos já não sonham com a liberdade, nem com um mundo melhor. Sonham com a leveza manifesta no imperativo da felicidade. A felicidade individual tornou-se a grande utopia das sociedades hipermodernas alimentada pelo “omniconsumo”, pela “atração fatal pelo novo”. A gravidade, o trágicos inerentes à condição humana são esquecidos, como que superados, pelo consumo. O consumo que, por sua vez, exibe ele mesmo uma panóplia de ofertas light, que materializam e alimentam a sociedade da leveza: dos ginásios que prometem responder à lipofobia, às religiões “à la carte” que prometem redenção, purificação, bem-estar, sem ser preciso muito sacrifício, das viagens turísticas organizadas em agências, à arquitetura em vidro e design minimalista até às feiras internacionais de arte contemporânea abrilhantadas por modelos, jet-set e festas luxuosas. Como escreve o filósofo, o homem hipermoderno “perdeu o sentido de aventura” e tem na boca um único adjetivo: “é interessante”, uma fórmula que, segundo ele, é “imprecisa, vaga, pouco profunda (…) uma relação leve, de emoções fugazes, sem peso real sobre a existência”” (Marques, 2025).
Estamos, na verdade, a viver a nossa vida demasiadamente centrada em nós próprios. Assistimos a uma verdadeira assunção do autorreferencialismo e da autorreferencialidade. Impera o eu e a sua (mesquinha) vontade. Eu e só eu. Primeiro eu, depois eu, depois eu, depois, talvez, venha o outro. Julgamos que a nossa identidade e o nosso propósito está no ter coisas ou em ser capaz de aportar coisas à nossa identidade. Ainda é difícil compreendermos que a vida autêntica está na genuína capacidade de sair da nossa “bolha” e abrirmo-nos ao outro, àquele ‘tu’ que me transforma.
O Santo Padre, o Papa Francisco, assevera que “é preciso afirmar que temos um coração e que o nosso coração coexiste com outros corações que o ajudam a ser um “tu”. Como não podemos desenvolver longamente este tema, recorreremos ao personagem chamado Stavroguine, de um romance de Dostoievski (Os Demónios (1872)). Romano Guardini aponta-o como a própria encarnação do mal, porque a sua principal caraterística é não possuir coração: «Stavroguine, porém, não possui coração. O seu espírito é, portanto, frio e vazio e o seu corpo intoxica-se de indolência e sensualidade “animalesca”. Não pode ir até junto dos outros homens nem estes podem chegar na realidade até ele. Porque é o coração que origina a proximidade; é pelo coração que me encontro junto dos outros e os outros estão igualmente junto de mim. Só o coração pode acolher, dar refúgio. A interioridade é o ato e esfera do coração. Stavroguine, porém, encontra-se longe, […] muito afastado também de si mesmo. O homem está em intimidade com o seu íntimo no coração, não no espírito. Estar em intimidade com o íntimo, no espírito, não é do domínio humano. Mas quando o coração não vive, o homem encontra-se ao lado de si mesmo» (Romano Guardini, O mundo religioso de Dostoievski (Lisboa 1973), 232)” (Francisco, 2024, 12).
O passado é a arma do diabo: Deus aponta para o futuro. O futuro é a promessa da salvação, é a esperança dada como dom. Não devemos viver no passado, mas apontar para o futuro, integrando os erros e os pecados passados para que, integrados, possam ser transformados em memória de gratidão pela misericórdia que Deus teve para comigo, pela nova oportunidade que me deu para ser feliz e viver na sua paz, pelo ensejo de poder acrescentar valor, sentido e significado à história e à vida, pessoal e comunitária. Quando nos roubam o futuro, roubam-nos a esperança.
A terminar, quero deixar uma proposta em jeito de desafio: saibamos procurar por pessoas que nos inspirem e não por pessoas que nos aspirem! Aqui há uma grande diferença entre estar com pessoas transmissoras de paz ou estar com pessoas transmissoras de dor e de toxicidade. Naturalmente, a escolha cabe a cada um.

Bibliografia
Lipovetsky, G. (2016). Da Leveza. Para uma civilização do ligeiro. Lisboa: Edições 70.
Francisco, P. (2024, outubro 24). Dilexit nos. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/20241…
Marques, J. E. (2025, fevereiro 7). E se a nossa vida estivesse dentro dos ecrãs? Observador. https://observador.pt/2016/09/04/e-se-a-nossa-vida-estivesse-dentro-dos…

Edição
4029

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