Nordeste Transmontano

Memórias de antes do 25 de abril são de vida dura, pobreza, guerra e falta de liberdade

Publicado por Glória Lopes em Qui, 2024-04-18 09:23

Começou nos anos 60 a debandada populacional que havia de sangrar aldeias, vilas e cidades do Nordeste Transmontano do seu mais rico ativo, a população. Esse êxodo, que só no ano de 1960 levou de Portugal 935.521 habitantes e em 1970 subiu para 1284.269, tem um impacto cada vez maior e mais evidente face à realidade das terras desertas de pessoas, envelhecidas, ruas sem gente, casas fechadas, em degradação ou ruínas. “Fugíamos daqui. Não havia outra solução”, conta Manuel, ex-emigrante em França, para onde partiu com apenas 16 anos deixando para trás pai e mãe, rumo ao desconhecido. “Eu nem mala de cartão tinha. Levei a pouca roupa numa bolsa de pano” recordou.
Muitos fugiam da miséria, como Manuel, ou evitavam ser enviados para guerra colonial no longínquo Ultramar. Metiam-se por caminhos desconhecidos, pela montanha, e passavam a salto, ou seja, ilegalmente, na chamada raia seca, numa altura em que a vida nas aldeias era pobre e oprimida, onde pouco mais havia que o trabalho na agricultura de subsistência ou algumas jeiras para proprietários mais abastados. Arriscava-se a partida, quase sempre para França, colocava-se a vida na mão dos passadores que os haviam de fazer chegar ao país mais desenvolvido e plena reconstrução e desenvolvimento ainda com as feridas da 2ª Guerra Mundial. Era a terra dos sonhos, longe da ditadura de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano, da Pide, da falta de liberdade e de uma sina condenada à carência, às casas de pedra, sem conforto, sem luz, sem água, sem o elementar WC.
José Terrão, 82 anos, antigo contrabandista da aldeia de Varge, no concelho de Bragança, não esconde que “passou muita gente” com destino a França. Tinha experiência de fugir à guarda, porque foi contrabandista e começou cedo aos 18 anos. Decidiu ir para França em 1968, a salto. Chegou são e salvo. “Correu bem e, depois, comecei a passar pessoas. Ajudei dezenas a chegar a França, clandestinamente. Pagavam-me cinco ou seis contos, mas eu arranjava-lhes trabalho”, enquanto outros levavam 12 contos. Só que eu nunca fui de explorar os outros,” contou ao Mensageiro.

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