A opinião de ...

Retratos

Conheci e conheço pessoas contrárias a serem retratadas. E, no entanto, contemplavam e contemplam o Mundo através de retratos de todo o género, forma e feitio. O sábio das Mitologias não apreciava ser fotografado, o filósofo Orlando Vitorino também não, ao que sabemos o poeta Herberto Hélder detesta ser atingido pelo disparo da câmara fotográfica. O grande poeta madeirense através da sua obra concede-nos imponente retrato íntimo do seu talento, quando foi jornalista em Angola produziu outros, no tempo das Bibliotecas Itinerantes compôs extraordinárias chapas estilo foto-lato que um abstruso e ignaro director-adjunto mandou destruir escorado na burocracia inimiga da cultura. Não trago em meu socorro a filósofa Sontag a fim de discorrer acerca dos encadeamentos da fotografia, prefiro pedir ao leitor o favor de retratar o País através dos seu olhos, sem óculos escuros, sem palas, sem rede, sem lentes de aumentar ou diminuir, depois fixe as imagens que lhe dão felicidade e desgosto. As marcas guardadas têm profundidade, precisão, ficarão para memória futura, a nível íntimo está o problema resolvido, o caso muda de figura quando de nós e do nosso mundo os outros congeminam diferentes e quantas vezes abjectos retratos. Alguns tingidos de boçal banalidade a roçarem a crueldade. Há dias o Expresso trazia irónica notícia referente à implicação de morcegos no encravamento das minas de ferro Moncorvo, recordando outros exemplos anedóticos que resultaram em dezenas de milhões de euros de prejuízo e milhões de horas perdidas. Ampliei o retrato acrescentando-lhe o episódio dos ratos a impedirem a tão necessária reconstrução da estrada Bragança/Vimioso. O notável António Barreto e outros têm-se dedicado a retratar o País, nós nos dias festivos ou nomeados fazemos o gosto ao dedo fotografando e filmando tudo quanto nos parece valer a pena, por outro lado multiplicam-se os estudos, relatórios e memórias acerca das mudanças em Portugal. O que dirão os nossos descendentes quando perscrutarem as imagens e lerem os relatos da nossa incapacidade na rápida e certeira decisão, no estarmos atentos ao essencial e vermos claramente as grosseiras ou ínfimas razões que levam a nefandos fundamentalismos? Não estarão esses actores a bater chapas visando ficarem nos anais, embora pelas piores razões? Eles miram-se na poça de água e dizem: mas ficamos. Resta-nos contrariá-los construindo a real/realidade imageticamente descrita pelo subtil poeta António Ramos Rosa.

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