A opinião de ...

José Sócrates está inocente

Impõe-se que no início desta crónica faça um ponto prévio: Sou militante do PSD há quarenta anos e quero sinceramente que o meu partido seja um merecido vencedor das próximas eleições. Não sou amigo, admirador ou simpatizante de José Sócrates.
 
José Sócrates está em prisão preventiva mas assiste-lhe o direito da presunção da inocência. O que é estranho. Se presumem que está inocente, porque decretaram a prisão preventiva? Para mim, que não sou jurista, olho para a realidade e vejo o contrário: o referido cidadão está (ainda) inocente (não foi condenado nem sequer acusado de nada) mas presumem-no culpado e por isso foi detido e colocado sob prisão.
 
O acompanhamento do assunto nas redes sociais evidenciou duas correntes maioritárias: uma já o condenou, imputando-lhe todo o género de malfeitorias e assumindo como certas, provadas e reprováveis, todas as “notícias” que respingam nos jornais e demais canais informativos. Defendem políticas diferentes das seguidas pelo ex-ministro e garantem que a sua condenação trará como resultado a vitória da corrente partidária que se opôs e opõe ao antigo dirigente socialista. Esquecem duas coisas, a meu ver. Em primeiro lugar, politicamente, José Sócrates já foi julgado. Duas vezes. Numa, em 2009 foi absolvido. Noutra, em 2011 foi condenado. Nada mais há a dizer. Em segundo, no tempo em que estamos, a condenação de um alto dirigente político não deixará de afetar toda a classe política. Para a segunda corrente tudo se resume a uma cabala, a uma armadilha, a um ato discriminatório, pois há outros dirigentes de outras áreas a quem a justiça ou o senso comum presume culpas em atos altamente condenáveis de teor maior e mais gravoso e que continuam impunemente a salvo da sanha persecutória dos agentes judiciais. Esquecem que um erro, por maior que ele seja, não justifica outro e que ao reclamarem punições exemplares para outrém acabam por deixar implícita a assunção de culpa para quem a rejeita e que não foi, como atrás se refere, sequer acusado.
 
Tendo sido José Sócrates chefe de um governo que, supostamente e na perspetiva dos visados, prejudicou, injustamente, magistrados e agentes de justiça é absolutamente necessário garantir que qualquer sentimento de retaliação esteja completamente afastado do processo. Ora se os portugueses estão já habituados a violações do segredo de justiça, sendo admitido que o facto de haver muitos envolvidos na manipulação da informação confidencial dificulta a descoberta dos pontos de fuga, há contudo um pequeno “pormenor” neste caso que me merce séria apreensão: a falada e propalada reportagem em direto da detenção de Sócrates não era, certamente, do conhecimento antecipado de gente distante do círculo restrito do Juiz e do Procurador de Justiça!
 
Eu sei que o processo judicial está em segredo de justiça, mas também sei, como todos os portugueses, que esse secretismo é um eufemismo quando o sujeito em questão é uma figura pública. O que costuma aparecer nos jornais é, mais pormenor, menos pormenor, o que é depois apresentado no libelo acusador. E o que é que nos diz a comunicação social sobre as acusações ao antigo governante? Que levava uma vida de luxo em Paris. Será com certeza alvo de inveja e de cobiça (quem não gostaria de viver luxuosamente na capital francesa?) mas não é crime. Que tem um amigo rico com dificuldade em explicar a origem da sua fortuna. Pode não ser recomendável, mas não é crime. Que tem um contrato milionário com uma farmacêutica. Pode ser injusto, mas não é crime. Que uma empresa portuguesa de âmbito regional se alcandorou, com a ajuda do então primeiro ministro, a um consórcio internacional tendo observado um crescimento exponencial com contratos generosos em países onde o dirigente político tinha alguma influência. Que crime é este? Pena é que em vez de uma não sejam várias. Dezenas ou mesmo centenas. Não é esse o objetivo de todas as missões empresariais organizadas pelo Governo e pela Presiidência da República?
 
Permitam-me ainda uma reflexão sobre a convicção que, perigosamente, vejo na elite do PSD de que a condenação de José Sócrates será a salvação de uma maioria em perda eleitoral. Nada mais errado! Telhas de vidro todos têm. E o ditado popular diz o resto. As eleições não se ganham com frases vagas e lapalissianas. Obviamente que os políticos não são todos iguais. Tome-se um referencial qualquer. Facilmente se encontram inúmeras diferenças. Umas para melhor, outras para pior.
As eleições só serão ganhas se a maioria atual apresentar um programa melhor que o do António Costa. Admitir o contrário será dramático. E fatal!
 
Termino esta crónica mais longa que o habitual (o tema assim o exige) com um sentimento tríplice:
 
Enquanto militante social-democrata ativo, quero que José Sócrates esteja inocente – para salvação da elite política. Enquanto cidadão, desejo que José Sócrates seja condenado – para salvação da classe jurídica. Enquanto ser humano, exijo um julgamento justo e de uma transparência cristalina onde não seja possível vislumbrar o mínimo resquício de revanchismo.
 

Edição
3502

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