A opinião de ...

O Povo e as suas Elites

Do PREC de 1975 conta-se um história, tida como verdadeira. Na primeira viagem diplomática à Suécia, após o 25 de abril, Otelo Saraiva de Carvalho, quando questionado pelo primeiro-ministro sueco, Olof Palme, sobre as grandes diferenças que estariam em curso, em Portugal, no pós-revolução, o capitão de abril ter-lhe-á dito que o caminho para o socialismo, em curso, na pátria lusa iria, garantidamente, acabar com todos os ricos, ao que o social-democrata nórdico terá respondido que a ambição sueca era, pelo contrário, acabar com todos os pobres.
Sendo o nivelamento (ou pelo menos a diminuição das maiores desigualdades) um desígnio nobre, faz toda a diferença fazê-lo por cima ou fazê-lo por baixo.
Na sociedade portuguesa, com a chegada da extrema direita ao leque partidário com assento parlamentar, tendo-se falado muito da extrema esquerda, tinha-se descurado a reflexão sobre a sua congénere, à direita. E, apesar de se citar, de vez em quando, o rifão popular, ou melhor, popularizado, garantindo a coincidência dos extremos, não se tinha assistido à sua concretização programática e eleitoral. Vendo bem, não há que estranhar (estranho é o espanto, ou suposta surpresa inesperada, de Rui Rio) os resultados do Chega, no Alentejo, nas última presidenciais. As posições radicais relativamente à atual pandemia vieram acrescentar justificações às anteriores razões. As declarações recentes de Catarina Martins insurgindo-se contra os lucros das farmacêuticas com as vacinas, reclamando contra os “benefícios” financeiros concedidos pela União Europeia, em nome da condenação do lucro que aquelas, obvia e naturalmente vão ter, mostra onde nos pode levar esta obsessão cega doutrinal. Se erro há na atuação de Bruxelas, peca por defeito pois quem mais pagou já mais recebeu e já mais vacinou, como é natural.
Não quer dizer que o lucro seja deificado. Não ignoro nem quero escamotear que a primazia da rentabilidade financeira, levada ao extremo, como pretendem as forças mais direitistas, teria como consequência o empobrecimento da esmagadora maioria da população, para benefício de alguns, detentores do capital. Mas a anatematização dos mecanismos de mercado, baseados no lucro, não conduz a melhores resultados como ficou provado na União Soviética de Estaline, na China de Mao e na Coreia da dinastia Kim.
Só as políticas da social-democracia e da democracia social (ou democracia cristã, como é mais conhecida) nos podem proteger desses excessos, permitindo toda e qualquer remuneração, preconceitos ideológicos, desde que o mercado assim o permita, mas que exerça o poder regulador, defensor das classes menos privilegiadas, taxando todos os rendimentos, sejam laborais ou de capital, de forma justa e progressiva.
Parece natural e razoável que tendo o marxismo identificado de forma correta os dois fatores de desenvolvimento, a mão-de-obra e o capital, se encarnice na defesa do primeiro diabolizando o segundo, como única forma de combater o paradigma oposto.

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3820

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